Esta coisa de tocar naquilo que, às vezes, alguns dizem ser intocável, para além de se correr o risco de ser inoportuno ou então incompreendido por estar a meter o " nariz onde não é chamado", é também, para outros, quando se raia a "intolerância democrática", quantas vezes de forma não assumida, entendida como uma agressão, definida eufemisticamente como sendo " não aconselhável dentro da conjuntura" ou então que "não é politicamente correcto", pois, como diz o povo, normalmente “pela boca morre o peixe” e "o calado vence tudo". Tendo em conta que não somos "peixes", apesar de vivermos neste mar de dúvidas e suspeições, de contradições e conflituosidades, mesmo assim as marcas do tempo vão-nos deixando algumas "escamas", a que alguns chamam experiência e outros mais eloquentes consciência reflexiva ou consciência crítica. Mas, como esta coisa da "consciência", apesar de pertencer ao foro íntimo de cada um de nós, é sempre opinável para o mais comum dos mortais, fazendo parte do nosso quotidiano coloquial, torna-se num lugar comum ouvir-se e falar-se de "consciência" como se de um bem compartilhado se tratasse, através de expressões e comentários tão do nosso agrado: - "fi-lo em consciência" "a minha consciência ditou-me" ou "se tivesse consciência (juízo) não se tinha metido em camisas de onze varas"! Esta coisa de falar em consciência e ser consciente do que fala, aparentemente sinónimo de racionalidade, paradigma do absurdo, na dialéctica argumentativa duma parte significativa "da classe política", é, no entanto, quando, utilizada com premeditação e aleivosia, a arma de confrontação dicotómica, capaz tanto de seduzir como de criar antagonismos ideológicos. Daí que perder ou ganhar é tudo uma questão relativa que tem mais a ver com os olhos com os quais se vê do que com o seu significado e dimensão. Porque há portas que se abrem e outras que se fecham, não voltando jamais a abrirem-se, especialmente quando a prepotência e o despropósito convivem lado-a-lado com a hipocrisia, apesar da ameaça implícita que a afirmação encerra, não deixarei, contudo, de abrir algumas linhas de reflexão e debate, ainda que modestamente, sobre o pântano que envolve a política e os políticos sobretudo a nível nacional, e ainda os aspirantes a tal, neste oásis de interesses mais ou menos inconfessáveis. A confissão, entendida como um acto catársico do espírito, é um gesto nobre de entrega à verdade pela palavra, mas também de assumpção de responsabilidades pelos actos cometidos. Que "atire a primeira pedra aquele que nunca errou"! "Errare humanum est" - errar é humano, e só erra aquele que faz alguma coisa. Agora, errar de forma premeditada, para além de ser imoral, é um acto do mais profundo repúdio numa sociedade pautada por valores... como por exemplo, a verdade. Mas será que nesta sociedade a podemos encontrar? Nesta sociedade em que vivemos e dela fazemos parte será que proliferam a verdade, a tolerância, a fraternidade, a justiça, a solidariedade, a dignidade... como valores a preservar? Ou será que talvez o que impera, acima de todas as coisas, é a "lei do desenrasca", "a lei do salve-se quem puder"? É por isso que as palavras valem o que valem e as afirmações são o que são! Pervertem-se, maliciosamente, as palavras, reinterpretam-se as afirmações, introduzem-se alterações de forma a que a apostasia da palavra se transforma num veículo profético dum sonho luminescente ou então dum pesadelo marcado pela desgraça e pelo descalabro. E tudo isto faz parte do jogo político. Que raio de jogo político é este, onde, como diz o povo, "vale tudo menos tirar olhos"? A política não pode nem deve ser um circo romano onde as feras se gladiam mutuamente, mas um espaço de debate civilizado de propostas e contrapropostas, de soluções e alternativas, de gente competente que, alem de parecê-lo, é necessário sê-lo, um espaço onde não haja lugar ao insulto e à baixeza moral no ataque desenfreado à honorabilidade e à intimidade daquele que se dedica à "coisa pública". Fernando Marques Pinhal* *Conselheiro das Comunidades León-EspanhaDiário de Aveiro |