A REFORMA DA ONU

1. A “hora” nacional é de profunda avaliação das tragédias incendiárias e da consequente reforma estrutural que, mais uma vez, coloca à prova a nossa capacidade de realização. Todos os sabemos, não nos faltam boas leis, comissões, discursos; falta sim é a capacidade envolvente de levar à prática aquilo que se considera importante. A este propósito fazemos nossa a pergunta do El Pais: que se passa quando conseguimos fazer com eficácia os dez belos estádios para o Euro 2004 em tempo recorde e não conseguimos manter o nosso património natural? Querer é poder, só que o importante será querer todos os dias.

A “hora” internacional é de expectativa. Além das catástrofes ambientais que vão da seca extrema na Europa Mediterrânica às fortes inundações a norte, até ao demolidor furacão “katrina” que mostra toda a fúria e poder da própria natureza. Também o momento político internacional vive momentos decisivos para os lados do médio oriente: é a primeira Constituição iraquiana, uma carta comum, acusada de americanização, e também por isso não assinada pelos sunitas já saudosos de Sadam (as voltas que o mundo dá!); é também, depois da retirada dos colonatos de Gaza, a incerteza quanto à Cisjordânia, aos seus colonatos que crescem, a dúvida de se já está atingida uma maturidade cultural que proporcione uma (longa) negociação mas para uma estabilidade com futuro, por isso que vislumbre os dois fundamentais estados, o “israelita” e o “palestiniano”. Só com uma fórmula que conduza ao hábito de conviver com a diferença, sem ver o outro como um alvo a abater, é que será possível uma paz duradoura. Tarefa dificílima, em complexos territórios carregados de história onde se confunde o querer de Deus (Ele só é Shalom, Paz) com o interesse estratégico humano (tantas vezes tão egoísta e fanático).

2. Mas as “horas” do futuro, nas próximas semanas, terão o seu centro na Organização das Nações Unidas. Num tempo que voou desde a sua constituição no pós-guerra (fez 60 anos em Junho), a ONU, com momentos determinantes em alguma paz mundial e outros ineficazes em tanto subdesenvolvimento e perplexo terrorismo, vive desde há meses o estudo para uma reforma situada, diante de um novo mundo geopolítico.

Processo delicado, com forças e contra forças, onde o poder parece sobrepor-se à convicção para o autêntico serviço à Humanidade, onde a dependência dos dólares e das armas continuam, porventura, a viciar a saudabilidade do processo. Senão vejamos: em meados de Junho o Congresso dos EUA divulgou um relatório em que criticava a falta de fiscalização e responsabilidade das Nações Unidas, apelando ao secretário geral, Kofi Annan, para que realize reformas rápidas na organização. Caso não o fizesse, os EUA ameaçavam na altura cortar em 50% a sua participação no orçamento geral da ONU. Diziam os próprios americanos no relatório do Congresso: “A necessidade de reformas internas nunca foi tão urgente” (concordamos, e muitos líderes mundiais o sublinharam, mesmo João Paulo II); “a liderança americana será fundamental para a mudança efectiva da ONU” (já estamos a ver tudo!).

Entretanto, a 8 de Julho, o grupo de amigos da Reforma das Nações Unidas conhecido por Grupo Fox, concluiu em Haia, na Holanda, a proposta de mudanças na instituição, cujo objectivo deste grupo de 15 países, criado no México em 2004, é recuperar a credibilidade das Nações Unidas. Destaca-se nessa proposta o papel da Comissão dos Direitos Humanos, a capacidade de reacção diante de situações de insegurança e o terrorismo internacional, a dívida externa dos países pobres, ecologia global, o TPI, não dando todavia indicações sobre a ampliação do Conselho de Segurança (apostando mais pela representatividade regional dos continentes que por influência político-económica). As dificuldades para se chegar a acordo sobre definições comuns tem ocorrido sobretudo devido à pressão da Alemanha e Japão, membros do Grupo de Amigos e integrantes do denominado G 4, mas partidários da ampliação do número de assentos permanentes no Conselho de Segurança.

Como preparação da Cimeira da Reforma da ONU em Nova Iorque, de 14 a 16 de Setembro, e menos satisfeitos com a proposta de acordo condensado por Jean Ping, o Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas (natural do Gabão), os EUA entraram em acção. Esse condensado era síntese do documento dos Amigos acima indicado, de outras propostas apresentadas e ainda após reunião-debate internacional ocorrida na Suiça há semanas. Os EUA nomearam o polémico John Bolton que ao referido documento (de 36 páginas), submetido por Kofi Annan à apreciação dos países, o diplomata americano praticamente o inviabilizou, sugerindo mais de 750 correcções. Como refere o diário Washington Post (25.08.2005), os EUA querem voltar a negociar, a fundo, o ambicioso projecto de reforma. A apresentação vai a ponto de querer deitar para o lixo todo o trabalho feito? Com admiração surpreendente, o governo norte-americano propõe a eliminação de qualquer nova promessa de auxílio para o desenvolvimento dos países pobres, suprimindo todos os objectivos já fixados na cimeira de 2000 (anti Live 8); rejeitam qualquer referência sobre a luta contra as alterações climáticas (anti Quioto), qualquer progresso no desmantelamento de armas nucleares (e o Irão?!); querem retirar qualquer referência ao Tribunal Penal Internacional (compreende-se diante dos crimes americanos, por exemplos em Abu Graib). Claro, querem os EUA de Bush o combate ao terrorismo e a promoção da democracia (como estratégica justificativa no pântano iraquiano).

O bom senso está perplexo! Em que planeta vivem os EUA? O que será o essencial para garantir um Mundo equilibrado aos vindouros? Que silêncio este (ainda também em Portugal não debatemos a Reforma da ONU) que fará desta Reforma uma oportunidade (perdida?). Qual o papel da Europa? Certamente nas próximas semanas esta inquietação, pelo futuro que pode estar em jogo, vai andar na praça pública. A cidadania global exige intervenção.

Alexandre Cruz*
*Centro Universitário de Fé e Cultura
Diário de Aveiro



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