1. É um voto de confiança, em tempos de desconfiança e incerteza. “Temos de conseguir” criar uma dinâmica mobilizadora, afastar o pessimismo, despertar as energias, acender a justiça para, depois, conseguir mesmo apagar os fogos, criar uma mentalidade de tal maneira forte em que cada um se sinta envolvido na missão de todos; só quando cada cidadão sentir neste país que qualquer acção que faça, qualquer acto individual, seja na rua ou na mata, na praia ou na paciência da estrada, no partido político ou na CGD, tudo - em todo o tempo e lugar - é um apelo constante à responsabilidade pessoal e colectiva. O atraso que nos envolve e nos cega socialmente, fruto tantas vezes de hábitos passivos de “deixar correr”, tem feito com que a mentalidade do “adiar” seja um péssimo estilo de vida, gerador de descompromisso, promotor da alienação dos problemas para “os outros”. Já agora, e como o que é de todos carece de justificação comunitária, como perceber as nomeações para a Caixa Geral de Depósitos, que custam cerca de meio milhão de contos ao Estado (a todos) de indemnizações? A autenticidade da actividade política sofre grave implusão quando, em tempos de crise e contenção económica, esbanja-se afinal pela porta for a, aquilo que é conseguido a custo do esgotável sacrifício das famílias portuguesas. É comovente, (e também é certo não adiantamos nada com comoções?) ouvir-se dizer, a cada passo, que 99 por cento dos incêndios são mão imprópria, ou descuidada ou criminosa (pela madrugada dentro!), e, em todo este cenário dantesco do país em brasa, parece que a fundamental preocupação é livrar a água do capote. Temos de conseguir tirar as lições dos acontecimentos, recriar os mecanismos de parcerias eficazes, replantar o deserto do nosso país interior, para que não ouçamos mais o dizer daquela voz adulta que “se tivesse 20 anos, ia embora deste país”, ou então a história daquele idoso que “queria morrer” com as chamas da sua casa. É este o Portugal real mais profundo que as televisões têm mostrado nestes dias. Esse país combate incêndios, não tem férias, quando muito vai umas tardes à praia e passa horas arreliadas nas filas do trânsito, está desempregado e muitas vezes já perdeu a esperança ou então já está tão conformado com o destino da miséria que muito pouco faz para sair dela. Que realidade tão diferente da propaganda! 2. Só podemos estar no fim de uma época e a começar outra, aquela que se quer bem melhor (o que não quer dizer “ter coisas”) para as crianças de hoje, os homens do amanhã. Entretanto, para lá chegarmos, temos quinze/vinte duros anos à nossa frente. E encarar que a “partidarite”, a “clubite”?já nos fez perder demasiado tempo. Ao chegar Setembro, mais uma nova difícil fase do nosso país: quantas empresas já não abrirão depois do Verão? E de que valem, nessa hora, os sermões, manifestações, bandeiras ou foliões? Fica-se sozinho e gasta-se tempo e o pouco dinheiro, em vez de inventar novas formas? Que já estamos a fazer de novo no plano da reivenção de formas de trabalho, na agricultura que complemente as dificuldades de subsistência em muitas zonas do país, no prevenir das fortes cheias de Novembro, na restauração de pontes, escolas e hospitais, no repovoamento do interior, na valorização internacional do que temos de único e típico (cada região do nosso país com a história que nos envolve poderia ser um museu vivo), num projecto educativo envolvente com valores sérios, sem preconceitos, que proporcione caminhos de educação à mais nova geração?(?) Quanto mais tarde partirmos, mais tarde chegaremos. É preciso recomeçar?Um país surpresa na nova Europa, a Irlanda começou, há vinte anos, por apostar na “família”, tudo para a FAMÍLIA. Em que apostamos nós? Que ideia (além da ideia negativa do défice na economia) que nos encoraje e mobilize? É um ‘sinal dos tempos’ de que preocupa(m) mais (os terrenos d)a OTA e o TGV daqui a 15 anos do que propriamente se teremos no nosso país habitantes, famílias, juventude, identidade, cultura, património preservado. Será a OTA e o TGV o milagre do nosso desenvolvimento?! Pequenos que somos? Queremos dar o salto para o futuro, só que, se este não é pensado, pode ser como o daquele artista do circo que, não tendo ensaiado bem, acaba por cair, deitando tudo a perder. Vale a pena citar a máxima de um insigne professor de filosofia: “cuidado, quanto maior é a subida, maior é a queda”. Ou então mesmo citar Aristóteles, quando sabiamente diz que “somos aquilo que fazemos consistentemente. Assim, a excelência não é um acto mas um hábito”. Talvez precisemos mais de projectos consistentes - para além do “apertão” - que envolvam a sociedade portuguesa do que de saltos de betão no escuro. (O que não quer dizer que não se façam as obras oportunas, com planeamento, visão e ordenamento do território? mas, enquadradas na nossa realidade.). Ainda, talvez seria de dar a uma justiça eficaz o primeiro lugar de importância. Sociedade com justiça torna-se mais honesta, mais capaz de uma equidade que contribua para o desenvolvimento harmonioso de todos. Como estamos longe de apagar este incêndio do desequilíbrio social! Alexandre Cruz* *Centro Universitário de Fé e Cultura de AveiroDiário de Aveiro |