Não é possível hoje ficar indiferente ao que se sabe e vê. Informação é inquietação. Não pode deixar na mesma quem é pessoa e tem o privilégio de comer, beber, e ter cama para dormir todos os dias. Sorte bem diferente seria se tivéssemos nascido em países de fome? O que aparece próximo da vista tem de sensibilizar o coração, especialmente daqueles que vivem longe da verdade miserável, que nos diz que em cada três segundos morre uma criança de fome em África. Estamos e continuamos em tempos de revisão da História, esta (escrita por nós) que nos mostra que de há longuíssimos séculos vivemos a ideia errada de que somos nós, Ocidente, o centro do mundo; mundo ao nosso dispor, para explorar, usufruir, sugar. O caminho da história, e quando se dá tempo ao tempo, após séculos ora de imposições graves e bélicas não respeitadoras da cultura e identidade autóctones, ora de convivência saudável, em tempos de globalização, faz hoje vir à ribalta a urgência de uma nova consciência levada à prática. Até porque, mesmo depois de todos os discursos, contextos e justificações?quantos milhões e milhões, ao longo de séculos, foram ou são tirados a África? Ou então, em situações de domínio não fora a melhor táctica o limitar o acesso à cultura e ideias de auto-desenvolvimento dos próprios povos africanos (mantendo o subdesenvolvimento)? Ou não é ainda hoje, para os exploradores, bem melhor uma situação de guerra, desorganização social a fim de tirar mais e melhor (esquecendo-se os senhores do mundo de cuidar justamente do próprio mundo que exploram?virando-se o feitiço contra si mesmos? A comprová-lo está a triste verdade que o negócio das armas é dos mais pesados nos orçamentos africanos? É dramático o limite da história em que, de geração em geração, miséria atrai miséria, subdesenvolvimento, por estratégia não se ensinou ou ensina a “pescar”, milhões de vidas ceifadas pela fome, SIDA, incapacidade de lutar pelos direitos em estados corruptos, doenças que, com a ida simples à farmácia, estaria garantida a sobrevivência, mas, não, a peste vinda da picadela do mosquito levará à cruel morte cheia de moscas, qual lixo indigno de que se tratasse. E tudo dramaticamente “aqui” tão perto! (Dos 18 países mais pobres do mundo 15 são africanos.) Há dias, em vésperas do G8, os 53 países de África tiveram um abraço universal. Foi um sinal planetário, com dez concertos globais, com mensagens de 100 músicos-grupos, actores, personalidades, Nelson Mandela, Kofi Annan, entre tantos outros. Oito dos concertos nas capitais dos G 8. Dia histórico (2 Julho 2005) de sensibilização, a partir do qual nada será como dantes. Não pela resolução rápida dos problemas, mas pela força inapagável do seu significado. A arte, música, cinema, em era da comunicação, fazem-nos ver perto o que parece longe, apresentam-se com o poder de fazer parar o círculo da história para escrever novas páginas. A arte, cultura musical de hoje com o seu impacto, irão, passo a passo, a juntar a outras sinergias, construindo uma nova mentalidade? Por outras palavras, esse grito histórico, bem idealizado e quase inocente LIVE 8 universal, como que nos diz que é tempo de acordar para o escândalo, não podemos continuar assim, não podemos dormir descansados, é possível fazer história, “não podemos admitir que o lugar onde nascemos determine o nosso direito à vida” (actor Brad Pitt). O LIVE 8 foi uma audiência recorde planetário de sempre com 3 mil milhões de espectadores. De Tóquio a Joanesburgo, de Filadélfia - EUA (1 milhão em frente ao palco) a Londres com 200 mil participantes em Hyde Park. Mudará alguma coisa em África no futuro próximo? Claro que a iniciativa musical, que até não pretendeu a recolha de fundos económicos, posiciona-se num apelo claro aos políticos, especialmente ao G 8, reunido na Escócia. O poder da música pretendeu desafiar a política como serviço aos povos. Do imenso bem que já acontece, destaca-se o Gana como o país modelo, em que se verifica que quando há estabilidade política e se diminui a corrupção o desenvolvimento sustentado é mesmo possível. Sublinhe-se que o Gana tem bom modelo de governação, com quatro eleições desde 1993. Assim, e como habitualmente se destaca, não se tratará simplesmente de perdoar a dívida, de dar alimentos, de dar vacinas, ? A questão de fundo precisa de compromisso sério. Como insistia Bono, vocalista dos U2, “não estamos à espera de caridade, mas sim de justiça”. Justiça com África, no reconhecimento dos séculos de história?(imagine-se todas as ricas matérias primas de lá retiradas, com um continente politicamente organizado), justiça no presente com a seriíssima promoção de governos africanos estáveis, onde dos G 8 não se aceite viver - antes se combata - a interesseira corrupção com África. Mas, afinal, irá mudar mesmo alguma coisa? E - pergunta fundamental de responsabilidade - que querem mesmo os povos africanos para si próprios?! E haverá espírito de sacrifício para lá chegar nesse longo processo? É difícil responder para além do dia-a-dia sofrido e esperançoso. Se repararmos que “mudar” implica abdicar de si para promover estratégias de futuro para todos, terminar com corrupções de governantes e captar mais noção cívica de deveres e direitos do povo africano?parece-nos que nada mudará, tudo continuará na mesma. Mas, por misericórdia, já que (por sinais) parece haver pouca vontade para ser por justiça, serão os G 8 capazes de dar 1% do seu orçamento militar mundial (que chegaria) para terminar com a fome no mundo? Irá este escândalo continuar ou terão a coragem de “fazer história”? A resposta de acção (solidária para “agora” matar a fome, não se pode esperar) e justiça (para construir linhas de civilização para o futuro) vem da vigiada Cimeira? Alexandre Cruz* *Centro Universitário de Fé e Cultura de AveiroDiário de Aveiro |