A PRAÇA DO LIVRO E PAUL RICOEUR

1. Feira do Livro 2005, de 21 de Maio a 5 de Junho, na Praça Marques de Pombal, no centro de Aveiro, um lugar a visitar! Da organização da Biblioteca Municipal de Aveiro, Câmara Municipal de Aveiro, quer o livro, no que ele tem de pensamento, arte, cultura, ideia e engenho, descer a todas as ‘(f)eiras’ e praças.

Aliás, o Livro nasceu na Praça (pública), cada livro é sinal de caminho (sempre comum) andado, sofrido ou amado, por isso o livro não pode ficar na estante!... Em tempos de alta primavera, no pré-verão como que para carregar as malas para férias próximas, as feiras do livro, de norte a sul do país, são essa essencial insistência na cultura. É verdade, mesmo com a crise que vivemos, a cultura não pode parar ou esperar, já que sem ela “não somos”!

A Praça (com cerca de trinta editoras) convida para a leitura, numa integrada dinâmica plural, criativa, em que os escritores vão passando?da música ao teatro, da exposição à apresentação de livros, com ligação às escolas, serões e sessões de poesia, multimédia,? oportunidades de um tempo bom e diferente, que também desanuvia da negritude de tantas más notícias, momento(s) de ler mais longe a vida e a esperança!...

2. O Livro permite-nos viver com os pés na terra, mas com os olhos no céu! A literatura contém a prodigiosa memória do pensamento cultural sem a qual não faria sentido, sequer, falarmos de “história”. O Livro, memória de séculos, ideias, invenções e intuições, erros e apostas certeiras, com tratados políticos, filosóficos e teológicos,? vai fazendo com que os laços da civilização não se percam, e com o aprender da leitura histórica o livro permite-nos re-escrever novos caminhos, novas viagens,?

Se formos a pensar bem? sempre que entramos numa Biblioteca, como que se agiganta diante de nós uma multidão de pessoas, vidas e sonhos, que, no seu século e vencendo a inércia, arriscaram inventar coisas novas?desde as artes literárias até às ciências exactas, tudo lá está! Em milhões de palavas!

Desde o rolo de pergaminho da antiguidade, até ao disco mais ou menos duro, o segredo nunca está na forma (com mais ou menos tecnologia), mas sempre no conteúdo proveniente do pensamento humano. É por isso que, haja o que houver, a cultura será sempre dos destaques de primeira página do livro da vida de uma sociedade?e se não muitas vezes pela agradável novidade, tantas vezes no seu défice escandaloso, aí mesmo, redescobrimos a própria urgência de a promover. Sem cultura não se vai a lado nenhum, e ler cria caminho de educação social. O livro, insubstituível, permite-nos assim este tocável acesso à causa mais nobre, a cultura, que cria modo de ser e estar participativo e positivo na própria vida social. Quanto menos se lê, e depende da qualidade do que se lê, mais difícil será o caminho do exigente progresso de todos.

3. Paul Ricoeur (1913-2005), um pensador marcante do século XX europeu, faleceu há dias. Ao 92 anos era um dos mais importantes filósofos franceses do pós-guerra, destacando-se pela análise global das suas ideias. Chamado o “filósofo do diálogo”, percorreu diversas grandes Universidades europeias, e da sua síntese chega-se a ponto de dizer que “a tradição humanista europeia está de luto pelo seu mais talentoso porta-voz”, refere o primeiro-ministro francês. Numa Europa de saudável abertura plural, mas de identidade a re-encontrar, também numa reinterpretação da “liberdade”, refere o presidente Jacques Chirac que “face aos dramas da nossa época, Paul Ricoeur não parou de afirmar com força a exigência de diálogo e de respeito do outro.”

Pensador com obra eclética (sobre variadíssimos assuntos), abordou temáticas como a “memória” e a “história”, o “ser” e a “acção”, a “utopia” e o “perdão”; caminhou na fenomenologia filosófica mais profunda, na política, justiça, psicanálise, poética, teoria da interpretação, hermenêutica até à própria fascinante exegese bíblica. A procura da verdade fez dele um homem de fé, o que gera uma capacidade de acreditar no diálogo até ao fim, como sublinhou em editorial o conceitoado Monde. Em todas as suas inúmeras obras literárias brilha a luz da esperança para o mundo, a força de quem sabe reconhecer que, como ele disse há anos em entrevista ao L’Express, “há verdade noutro lugar que não em nós próprios”.

Ricoeur, pela vida e obra, como tantos outros filósofos, pensadores e escritores entre nós, desafiam todas as ‘praças das ideias’? acreditando que o diálogo será o primeiro passo para um novo caminho ser possível. Sendo ele próprio “um intrépido candidato a todos os debates” (editorial do Libération), propõe-nos, ao livro da nossa vida, mais lugar a uma visão de conjunto, à cultura geral e ao espírito crítico positivo. Vale a pena a praça pública aprender com mestres desta qualidade, que sabem dar alicerces ao autêntico humanismo. Só assim, o “diálogo” será caminho de construção de civilização e cultura, onde com gosto se e recebe!

Alexandre Cruz*
*Centro de Fé e Cultura de Aveiro
Diário de Aveiro



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