Foi este o meu sentir quando ouvi o nome do novo Papa. Já tenho idade para não me deixar impressionar pelas muitas e desvairadas apreciações, vindas de todos os quadrantes da opinião pública, livre ou comandada. Quando vemos pessoas, que se dizem agnósticas, a opinar sobre quem e como devia ser o Papa e a mostrarem-se desiludidas com a eleição, estamos perante um contra-senso, que se respeita, mas não se entende. Nostalgia, apreço pela acção da Igreja, vocação teológica frustrada, recalcamentos? Tudo é possível. Se são pessoas da Igreja, presas a ideias feitas, a sentirem-se decepcionadas ou frustradas porque o seu candidato era outro, pergunto-me sobre que critérios assentava a sua profecia e assenta, agora, a razão da sua dor e frustração. Não se vê por aí muito de evangélico e de eclesial. A Igreja não começou ontem. A sua história, mesmo com erros pelo caminho, comporta sempre, nos êxitos e nos fracassos, grandes lições para os seus membros e até para a humanidade. A história recente, para quem não recorda dela senão o que, no momento, foi apoio à frustração e à tristeza, diz bem claro como são falíveis os juízos precipitados dos que querem que tudo esteja do seu lado. Mas qual lado? Está aí João XXIII a mostrar que, quando se vêem apenas as aparências, se corre sempre o risco de estar fora da lógica de Deus, que conhece os corações e lê no seu mais profundo. Critérios de sabor meramente humano não servem para apreciar situações que vão além do tempo e de nós próprios, ainda que tingidas de zelo apostólico. É de supor que os eleitores, mais de cem, pessoas adultas e sérias, comprometidas, a tempo inteiro, com a Igreja e a sua missão, tinham mais elementos em mãos para apreciar, julgar e votar, do que os que estavam fora, cheios de opiniões e desejos. Ninguém, no caso da eleição do Papa, se quiser sintonizar com um projecto que não controla, estará dispensado de aferir o seu parecer na tentativa de perscrutar os planos de Deus em cada circunstância e em cada tempo. Estou certo que vamos ter muitas surpresas. Tenho para mim que Bento XVI foi o homem certo para este momento da vida da Igreja. Pela sua reconhecida entrega ao essencial, testemunho de simplicidade, poder de escuta e capacidade de acolhimento, cultura teológica e histórica que ultrapassa o comum, abertura realista à sociedade, sensibilidade, e mais do que isso, em relação aos movimentos do tempo que corre, conhecimento profundo da Igreja universal e da realidade romana, serenidade impressionante e ponderada, fé inquebrantável, vivenciada e lúcida para dizer como Paulo “ eu sei em Quem acredito”. A campanha anti-Ratzinguer encarregou-se de lhe enxovalhar o rosto e nome. E continuam a fazer-se profecias catastróficas. Ele sabe isso. Admiro-lhe a coragem, que se explica pela força da sua fé e entrega ao projecto de Deus. Mil razões humanas podiam justificar a não aceitação, dado que esta é livremente expressa. Alguns ficariam contentes. Não faltaram conselheiros a dizer a João Paulo II no fim de vida, que abandonasse a cruz. Mas, onde entra Deus, só fé tem sentido. Uns ainda o não compreenderam, outros serão incapazes de o compreender. António Marcelino* *Bispo de AveiroDiário de Aveiro |