O GELO DE AUSCHWITZ

Falar sem palavras. Pronunciar “Auschwitz” (para uma memória que, tragicamente, importa não perder) é fazer silêncio? e meditar como foi possível. Quando os turistas vão visitar o local que nos gela o pensamento, ao aproximarem-se, vão naturalmente a conversar e comentar sobre o dramático holocausto que ceifou com crueldade assombrosa, nunca vista, milhões de vidas; quando entram e a explicação vai prosseguindo um frio vai gelando a razão impotente diante de todos os “porquês?”; a partir de certa altura o silêncio é sepulcral, havendo mesmo situações de má disposição e até quem saia aos vómitos?

Celebrou-se, a 27 de Janeiro, 60 anos em que as tropas aliadas chegaram e desmantelaram o sistema do genocídio em realização. A “solução final” nazi levou cerca de seis milhões de pessoas, humanas como nós. Foram três milhões de polacos, as maiores vítimas do holocausto nazi, judeus, ciganos, resistentes,? Em Auschwitz, foram executadas um milhão de pessoas, o maior campo de extermínio.

O grito “nunca mais” é, desde então, apelo universal sublinhado quando os crimes contra a humanidade são horrorosa realidade; todavia, os dramáticos genocídios que continuaram (e continuam, Darfur - Sudão), manifestam a impotência das Nações Unidas, desafiam as pretensas sociedades do conhecimento e interpelam a própria consciência universal, já que assistimos passivos?

Mas o pior de tudo será mesmo o perder da memória, esquecer, e por isso não retirar as lições da grotesca história escrita para que jamais se repita. Com o passar das décadas e das gerações, nos anais históricos tantas vezes construídos ideologicamente, como um reconstruir da “memória” que seja lição, pedagogia, a fim de escrever como “impossível para sempre” tamanha desumanidade?

Kofi Annan, secretário geral das Nações Unidas, faz o oportuno e forte apelo à “vigilância”. E a confirmar a suspeita está a realidade do NPD - Partido Nacional Democrata alemão, com o seu líder de extrema-direita Holger Apfel, além de qualificar os aliados libertadores de “assassinos em massa”, levou consigo para fora do parlamento alemão os seus doze deputados na altura do minuto de silêncio simbólico pelas vítimas do holocausto. Já para alguns fanáticos neo-nazis, como sabemos, o holocausto simplesmente não existiu?

Auschwitz, palavra arrepiante que desafia a própria linguagem, traz à memória toda essa multidão de autênticos mártires e santos, que padeceram de sofrimento que jamais alguém de nós poderá compreender? Até à própria pergunta gritante (do actualizado Job): “Como falar de Deus depois de Auschwitz?” (esta pergunta é título de escrito do Teólogo Jean-Pierre Jossua - que perdeu familiares no holocausto, sobre como perceber o atributo da “omnipotência” de Deus diante deste excesso de mal. A resposta possível encontrada, para além do mau uso da “liberdade” humana, está na ‘escandalosa’ mas lúcida Cruz, que, ao mesmo tempo, é sacrifício, mas visão, para além do visível, eternidade. Mesmo surpreendendo a nossa dimensão racional, até diante deste gelo de “mal”, de facto, o-cenário-deste-mundo-só-pode-NÃO-SER-TUDO!)

Charles Palant deportado aos 17 anos, escreve em “700 jours en enfer”: “Vão evacuar-nos de Auscwitz, primeiro a pé, durante vários dias. Estamos em Janeiro de 45. A temperatura média é de 20 graus negativos (?). O cansasço, os tiros? É uma mortandade atroz em poucos dias, em poucas horas mesmo.” Palavras geladas que desafiam a possível comodidade do calor que nestes dias de acentuado frio haverá que partilhar. Pessoas individuais, mas também instituições com responsabilidade social aos variados níveis? É que se - por exemplo - não protegemos os friorentos sem-abrigo que sofrem, ?, de que vale tudo o que sabemos, conhecemos, governamos (como há dias alguém dizia)?

Lembrar esta (triste) efeméride será a oportunidade de, definitivamente, implementar uma mentalidade renovada, a fim de que o ser humano cresça mais como comunidade. É que, sempre e acima de tudo, somos-uns-dos-outros. Pertencemo-nos mutuamente. Qualquer pessoa que passe frio desafia a nossa própria pretensa e tão propagada evolução ou inaurugação. Será sempre no atencioso apoio aos mais frágeis que residirá a qualidade de uma sociedade.

Elie Wiesel, antigo deportado, Prémio Nóbel da Paz em 1986, disse no seu discurso de recepção do Nóbel: “A vida neste universo amaldiçoado era tão distorcida, tão anti-natural, que uma nova espécie evoluiu. Quando vagueamos entre mortos, deixamos de saber se ainda estamos vivos”.

Como e quando poderá a humanidade (e nós próprios) vencer a solicitude dos dias frios e passar a uma permanente e autêntica Cultura Calorosa? Está provado que com uma pessoa que sofre, sofremos todos, porque ‘cada pessoa que se eleva, eleva a própria humanidade’! Quando a nova espécie de Ser-Humano será capaz desta calorosa elevação?!

Alexandre Cruz *
*Centro Universitário de Fé e Cultura

Diário de Aveiro



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