Quem matou Sá Carneiro e Amaro da Costa? A pergunta está de novo em foco no nosso país, juntamente com a crise governamental que agita a nação lusa. Um antigo agente da CIA agora vivendo em Portugal diz, num livro que publicou, que o plano terá partido de uma cabala engendrada pela agência de espionagem americana. O dito ex-espião, Oswald Le Winter, de 73 anos, num livro que publicou o ano passado em Portugal, revela alguns detalhes da suposta conspiração. em que teriam estado envolvidos, os então candidatos à presidência e vice-presidência americana, Ronald Reagan e George Bush (pai). O livro de Le Winter, intitulado "Desmantelar a America", foi publicado em Portugal em Novembro de 2001. Segundo o autor, a referida cabala teria por fim utilizar Portugal para fornecer armas ao Irão, em troca da libertação dos reféns americanos em seu poder, mas apenas depois da eleição que levou à derrota do Presidente Carter. As armas, em violação da lei americana que proibia o fornecimento de armas a países inimigos, seriam fornecidas por Israel, mas embarcadas em Portugal, a fim de despistar os serviços secretos internacionais. George Bush, segundo o autor do livro, ter-se-ia deslocado a Paris, numa viagem secreta, onde teria contactado os agentes do Irão, a quem teria prometido o fornecimento de armas. O Irão estava nessa altura em guerra com o Iraque e precisava com urgência dessas armas. Tudo isto diz o ex-oficial da CIA no seu livro, de acordo com um texto distribuido pela agência Lusa e reproduzido também pelo "Luso-Americano" de Newark.
No entanto, o então primeiro ministro português, Sá Carneiro e o seu ministro da defesa, Amaro da Costa, opuseram-se frontalmente à negociata e esta atitude teria lavrado à sua sentença de morte. O ex-espião americano, entrevistado pela Lusa, disse não poder provar o envolvimento de apoiantes de Reagan no atentado contra os governantes portugueses, mas que havia "muitas coincidências". A queda do avião em que seguiam Sá Carneiro e Amaro da Costa, segundo as conclusões das comissões de inquérito, deveu-se à detonação de um engenho explosivo colocado a bordo. Quanto à viagem secreta de George Bush a Paris, Le Winter diz que ele próprio foi encarregue de se deslocar à capital francesa, a fim "limpar" todos os vestígios da estada de Bush em Paris, onde decorreram os encontros com altos responsáveis do regime fundamentalista do Irão. Segundo o acordo, os iranianos prolongariam o cativeiro dos reféns americanos em Teerão, pondo em cheque a falta de capacidade do governo de Carter para os libertar. A cabala revelada pelo ex-expião americano incluia a participação de dois oficiais militares portugueses, cuja identidade ele prometeu revelar mais tarde, membros do Conselho da Revolução, os quais tinham recebido treino nos Estados Unidos. O carregamento de armas ligeiras e rockets, no navio "Shersburg", seria feito no porto de Setúbal nos finais de Novembro de 1980.
O livro de Le Winter veio pôr no ar a pergunta: "Quem são os generais" que teriam tomado parte na conspiração? O material de guerra teria sido carregado como alfaias agrícolas com destino à Africa do Sul.
Estar-se-à em face de uma novela de espionagem, ou há alguma verdade nisso?
Os factos apontados por Le Winter deixam as pessoas a fazer juizos. E depois, todos sabem que as relações internacionais são eivadas de cinismo e de mentira. Para além do verniz das curvaturas e das excelências, manobra a mão negra da Mafia, dos interesses políticos, económicos e estratégicos. As nações só em muito raras excepções se tratam com sinceridade. Incluindo as nações ditas "amigas". A espionagem moderna, munida com a mais sofisticada aparelhagem, escuta e procura saber o que se passa em casa dos vizinhos e amigos. Ninguém acredita em ninguém. E isto não é nada de novo. Os grupos humanos e as nações têm-se mantido sempre à distância e em guarda permanente. "Nunca fiando", diz o velho aforismo. E não há escolha. Quer sejam relações políticas ou religiosas, a escala de valores é sempre a mesma. Primeiro nós, os nossos valores e os nossos interesses. Nós somos os melhores do mundo, os nossos valores é que valem, o nosso Deus é o melhor e é membro do nosso clube e do nosso partido, e o resto é palha de estrumeira. Oxalá se revele ao menos quem foram os assassinos de Sá Carneiro e Amaro da costa. Com tantos problemas que Portugal já tem, seria alguma coisa de positivo. Manuel Calado*
*Jornalista nos EUADiário de Aveiro |