Na hora de proteger o berço e o ninho, humanos e aves são (afinal) muito parecidos. Quando os seus filhos pequenos choram a meio da noite quem se levanta, o pai ou a mãe? Vai ao berço quem estiver menos cansado? Fazem turnos ou vai quem acorda primeiro? Não parece haver apenas uma solução ideal para uma missão que pode ter repercussões no bom funcionamento do casal. Com as aves o cenário é semelhante.
Um artigo publicado a 23 de novembro pela revista Nature, e ao contrário do que se pensava, garante que a incubação dos ovos não se rege apenas pelos custos energéticos dos membros do casal mas, tal como nos humanos, por “uma espantosa diversidade de soluções” para manter os ovos quentes e a salvo de predadores.
A maior investigação de sempre sobre os até agora desconhecidos padrões de incubação nas aves limícolas – espécies que vivem em redor do planeta em zonas húmidas costeiras, como estuários e lagoas - é assinada pelo biólogo José Alves, investigador do Departamento de Biologia e do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da UA, e por mais 75 investigadores pertencentes a outras 68 organizações de todo o mundo.
Ao longo dos últimos anos, os investigadores fizeram uma recolha de vários parâmetros (nomeadamente, quanto tempo incuba de forma contínua cada membro do casal, com que frequência há trocas entre eles, etc.) ao nível global, para um total de 729 ninhos de 91 populações pertencentes a 32 espécies.
José Alves, o único investigador nacional a participar no estudo, registou na Islândia, durante os verões de 2013, 2014 e 2015, a atividade parental em mais de 30 ninhos de sete espécies: o pilrito-comum, a perna-vermelha, o milherango, o maçarico-galego, o borrelho-grande-de-coleira, a tarambola-dourada e o ostraceiro. Tratam-se de espécies que migram para fora da Islândia após a época de nidificação, que ocorre durante o verão, para se refugiarem também em Portugal do frio do inverno ártico. Nalguns casos, como entre os milherangos, o mesmo indivíduo foi estudado na Islândia e em Portugal.
A grande variedade de padrões de incubação encontrada pelos investigadores indica que os ritmos de sincronização são muito mais diversos do que tinha sido descrito até agora nos estudos com aves em cativeiro. A diversidade destes padrões entre espécies, e até dentro da mesma espécie, é de tal ordem que algumas trocam entre membros do casal em média a cada hora e outras chegam a fazer de forma rotineira turnos contínuos de 19 horas (sendo o caso mais extremo registado de 50 horas).
“Apesar do que era genericamente aceite até agora, não parecem ser os custos energéticos dos membros do casal que determinam estes padrões de incubação”, salienta José Alves. Se assim fosse, descreve o biólogo, “as espécies de maior tamanho, que libertam menos calor por unidade de massa, deveriam ter períodos de incubação mais longos do que espécies mais pequenas”. Contudo os padrões de incubação relatados no estudo não apresentam qualquer relação com o tamanho destas aves.
De igual forma, “espécies que se reproduzem no Ártico e Subártico, deveriam ter intervalos mais curtos de incubação uma vez que as reservas energéticas são gastas de forma mais célere em ambientes mais frios”. Contudo, e mais uma vez, não se verificou uma correlação positiva com a latitude (considerada entre os 20? e 80? graus).
O que este estudo veio a revelar é a que as estratégias anti-predadoras assumidas pelas diferentes espécies são determinantes nos padrões de incubação agora revelados. Em espécies que se baseiam na camuflagem (por exemplo, o maçarico-galego ou o milherango), cada membro do casal realiza longos períodos de incubação de forma a reduzir as trocas entre macho e fêmea e assim diminuir a atividade na proximidade do ninho para não revelar a sua localização a potenciais predadores.
De forma inversa, espécies que não camuflam o ninho e que perseguem predadores para os afastar (por exemplo, o ostraceiro ou o borrelho-grande-de-coleira), fazem trocas constantes tendo por isso períodos individuais de incubação mais curtos.
Finalmente, este estudo permitiu também indicar que os ritmos circadianos (criados pelos ciclos de dia e noite em períodos de 24 horas) são pouco comuns nos padrões de incubação de espécies limícolas que se reproduzem a altas latitudes e que estão totalmente ausentes em 18 destas espécies.
Em conclusão, aponta José Alves, “é o risco de predação, mais do que a fome (por depleção energética), que parece ser um fator determinante na evolução dos padrões de cuidados parentais nestas aves”. Assim, da próxima vez que se tenha de levantar a meio da noite para cuidar de um filhote, lembre-se que pelo menos não necessita também de considerar potenciais predadores!
Texto e foto: UA
Diário de Aveiro |