O Universo não passou frio quando nasceu”. A teoria foi proposta há 20 anos e reescreve a história do nascimento do Universo. Arjun Berera, físico da Universidade de Edimburgo, garantia então que nas primeiras frações de segundo após o Big Bang, a expansão do Universo, e negando a teoria convencional, não passou por uma fase de temperaturas frias, mas antes por um período onde as altíssimas temperaturas que o acompanharam à nascença não baixaram drasticamente. Esta ideia mostrou-se, contudo, difícil de pôr em prática. Até agora. João Rosa, físico da Universidade de Aveiro (UA), e o próprio Arjun Berera acabam de provar a teoria através de um modelo onde a ação do inflatão, uma partícula tão enigmática como o bosão de Higgs, assume o papel principal.
Comecemos pelo início. Nas primeiras frações de segundo após o Big Bang, o Universo começou a expandir-se graças à ação do inflatão, uma partícula cuja existência foi teorizada em 1981 pelo físico Alan Guth. E se até agora a comunidade científica internacional aceitava como válida a ideia de que, tal como um gás em expansão, o Universo primordial arrefeceu drasticamente ao expandir-se, reaquecendo-se em seguida pela ação da energia libertada pelo desaparecimento em massa do inflatão, João Rosa e Arjun Berera acabam de provar que a história pode não ter sido bem assim.
Os investigadores mostraram que os inflatões podem não ter desaparecido todos ao mesmo tempo, mas antes extinguiram-se gradualmente ao longo do período de expansão inicial do Universo. Deste modo, tal como um fogão permanentemente aceso, a energia por eles libertada gradualmente à medida que se transformaram noutras partículas serviu para manter o jovem Universo ‘aconchegado’ em altíssimas temperaturas. A descoberta não só altera a forma como as observações astronómicas leem os sinais que nos chegam do cosmos sobre o princípio dos tempos, como abre novos caminhos para a compreensão do próprio Universo.
Assinado pelos físicos Arjun Berera, João Rosa, Mar Bastero-Gil (Universidade de Granada) e Rudnei Ramos (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), o trabalho foi publicado no último número da Physical Review Letters, uma das mais importantes revistas científicas mundiais dedicadas à Física.
Uma teoria considerada impossível de provar
“Até agora ninguém tinha conseguido conceber um modelo simples e apelativo de inflação quente [expansão inicial do Universo sem arrefecimento], e muitos achavam que isso seria praticamente impossível. Mas foi exatamente o que conseguimos fazer neste trabalho”, congratula-se João Rosa, investigador no Departamento de Física da UA e coautor do artigo.
“Tal como os bosões de Higgs formam um campo que preenche todo o Universo e dá massa a todas as outras partículas elementares, também o campo associado ao inflatão terá preenchido todo o Universo primordial, sendo a energia nele armazenada responsável pelo período de expansão exponencial”, explica João Rosa.
E se nesses modelos convencionais de inflação fria, os inflatões desaparecem na totalidade no final da inflação transformando-se em partículas conhecidas como o eletrão ou o fotão, e reaquecendo assim o Universo, “neste nosso paradigma alternativo a energia armazenada no inflatão [que não desaparece de uma só vez, mas faseadamente] é continuamente utilizada para manter o Universo quente e contrariar o arrefecimento provocado pela expansão”.
No trabalho publicado 20 anos depois da teoria ver a luz do dia, os cientistas conseguiram conceber um modelo simples para o decaimento do inflatão, utilizando uma ideia que já tinha sido aplicada para explicar a massa do bosão de Higgs. “Mostrámos assim que é possível que o período inicial de inflação tenha ocorrido numa fase quente, e que o Universo nunca tenha sobre-arrefecido”, aponta João Rosa.
Novos caminhos para o conhecimento do Universo
O trabalho, aponta o físico da UA, “tem consequências observacionais muito significativas e que temos capacidade de testar com a tecnologia atual”. Em particular, a chamada radiação cósmica de fundo, uma relíquia da expansão cósmica que preenche todo o Universo observável, exibe pequeníssimas flutuações de temperatura que foram recentemente medidas com grande precisão pelo satélite Planck, da agência espacial europeia. A distribuição destas flutuações no céu depende muito do que aconteceu durante o período inflacionário e “mostrámos que o nosso modelo está em perfeito acordo com os dados observacionais do Planck, oferecendo inclusive uma melhor descrição dos dados que o modelo análogo de inflação fria”.
Para João Rosa, o mais importante que este artigo oferece é a possibilidade de utilizar observações astronómicas para aprender sobre a física das partículas elementares a temperaturas elevadas, muitíssimo superiores ao que é atualmente possível simular no CERN. “Se a inflação ocorrer numa fase fria será muito difícil estudar as interações entre o inflatão e as outras partículas elementares. Na inflação quente, pelo contrário, estas interações têm efeitos mensuráveis na radiação cósmica de fundo, oferecendo uma oportunidade única para chegarmos mais perto de uma teoria fundamental da física a altas energias”, diz.
Além disso, aponta João Rosa, a dinâmica do Universo nas primeiras frações de segundo é bastante diferente na inflação quente e isso pode afetar a sua evolução posterior de diversas formas. “Mostrámos anteriormente, por exemplo, que é possível produzir mais matéria que anti-matéria durante a inflação quente, explicando porque é que a primeira é mais abundante no Universo”, ponta. E, como em todas as novas teorias, “haverá com certeza muitas consequências por explorar e que poderão ajudar a compreender melhor algumas das grandes questões ainda em aberto em Cosmologia”.
Texto e foto: UA
Diário de Aveiro |