Anadia
Réquiem por uma árvore
“Meu fío: tem dó das árve,
que as árve tem coração”.
“O Lenhador”, de Catullo da Paixão Cearense
Anadia está mais pobre!
Depois de sucessivos massacres dos plátanos da Avenida José Luciano de Castro, que nesta época do ano tem um aspecto macabro e sinistro, chegou a vez das árvores do jardim.
Chocou-me profundamente o desaparecimento da bela Ginkgo biloba. Apesar dos alertas para que não fosse sacrificada, o poder não se compadeceu do seu garbo e pujança, e, no sábado, dia 14 de Dezembro, pelas 6 horas da madrugada, quando ainda era noite escura e Anadia dormia, os motosseras entraram em acção e, impiedosamente, cortaram-na de alto a baixo, numa operação quase relâmpago.
Quando raiou o dia, daquela árvore, cuja beleza nos deliciava, restava apenas um tapete de milhares de folhas de ouro que cobriam a terra ainda revolvida.
Tinha sido plantada na década de 60, ao tempo era Presidente da Câmara de Anadia o Dr. Adelino Ferreira da Silva. O jardim existente, agora praça, foi alterado por não se enquadrar no estilo do Palácio da Justiça que havia sido construído entretanto.
Ministério da Justiça e Câmara deram então execução à actual praça-jardim, que, ao longo destes anos, foi sofrendo algumas alterações.
Mas porquê uma Ginkgo biloba no Jardim de Anadia, juntamente com mais algumas árvores raras, tão diferentes dos vulgares castanheiros? Duas belas Tuias que havia na parte central foram as primeiras a partir.
Infelizmente, não está já entre nós o arquitecto Cerveira, autor do projecto, que nos explicaria a razão da sua escolha, mas penso que foi a preocupação de manter o equilíbrio paisagístico entre o Jardim de Anadia e o da casa em frente, onde existem árvores antigas e raras: uma oliveira da China, uma magnólia branca e uma de folha perene, uma palmeira e uma canforeira, entre outras.
Na verdade, havia uma harmonia dos dois lados que não passava despercebida.
Parabéns, senhor Arquitecto Cerveira!
Quem o conheceu e com ele conviveu e trabalhou, sabe que teria de ser assim, sem leviandades nem agressões. Era conhecido como um arquitecto “puro”, senhor de sensibilidade, bom gosto e saber.
Da hecatombe sobrou uma árvore, que espero continue, para contar esta história triste.
Ana Teresa Mamede
Nota: No dia 19 de Dezembro pelas 10:00 H, requeri na Câmara, a consulta do projecto do Arquitecto Cerveira. Logo que me seja facultado e se houver pontos de interesse, darei conhecimento neste jornal.
(8 Jan / 12:02)
Diário de Aveiro |
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