ENTREVISTA: “É O CONHECIMENTO INTERNACIONAL QUE NOS TEM COLOCADO AO NÍVEL DOS MELHORES DO MUNDO”

Natural da freguesia de Avelãs de Cima (Anadia), Luís Coelho é um dos mais promissores enólogos do país.

Aos 37 anos, está ligado a quatro marcas DOC produzidas pela Prats & Symington (Douro), sendo, sem dúvida, o Chyseia (considerado em 2014 pela Wine Spectator como o 3.º melhor vinho do mundo) a “bandeira” da sua muito profícua carreira.
A JB falou de si, da sua paixão pela profissão e pelo Douro, mas também do orgulho que sente em ser bairradino, uma região que diz estar “renovada” e onde um dia, quem sabe, poderá fazer crescer um pequeno projeto seu.

Fale-nos um pouco de si.
Sou um bairradino nascido em 1978, natural da Candieira- Avelãs de Cima e a minha residência neste momento é no Douro, em Ervedosa do Douro, que fica perto do Pinhão.
Venho com bastante frequência à Bairrada para estar com a família e amigos, bem como para acompanhar um pequeno projeto “caseiro” que tenho desde 2008.

Qual foi o seu percurso académico? Sempre quis ser enólogo?
A minha curiosidade pela Enologia iniciou bastante cedo pelas mãos do meu avô, que sempre fez uma quantidade pequena de vinho. As idas constantes à adega com os seus amigos tornaram aquele espaço quase como social e eu adorava isso.
Após a conclusão do 9.º ano do liceu de Anadia, optei por ingressar na vertente mais especializada da enologia e inscrevi-me na Escola de Viticultura e Enologia da Bairrada (EVEB) em 1997. Esse conhecimento adquirido na EVEB despertou ainda mais em mim a vontade de seguir para um nível mais avançado de conhecimento e foi quando decidi ingressar na Licenciatura em Enologia, na UTAD, em 2000, tendo terminado o curso em 2005.
O período em que andei na EVEB foi bastante importante para mim porque, de certa forma, foi lá que me foi demonstrado que a realidade ia muito de encontro às expetativas por mim criadas na área de enologia.
Obviamente que foi um período extremamente divertido e tenho memórias muito boas desde os colegas aos professores e empresas nas quais estagiei. Foi nesse período que defini um objetivo profissional e comecei a trabalhar para ele com mais “afinco”.

Quais os locais onde estagiou e já trabalhou?
Todo o meu trajeto profissional foi criado em empresas conceituadas, com profissionais bastante reconhecidos. Trabalhei com dois mestres da enologia, um dos quais na primeira vindima, em 1998, nas Caves Primavera com o Osvaldo Amado e a seguinte nas Caves Aliança com o Francisco Antunes, que também foi meu professor na EVEB. Ambos me incutiram profissionalismo e foram exigentes ao ponto de eu dizer para mim próprio que no futuro queria ser um deles.
Para eles, fui apenas mais um estagiário chato que por lá passou, mas para mim foram individualidades muito importantes e decisoras do meu futuro.
Posteriormente, passei pela Quinta do Sol no segundo ano do projeto da Prats & Symington onde estou a trabalhar de momento; Adega Cooperativa de Vila Real; Château des Laurets em Saint Emilion- Bordéus; Quinta de Roriz Vinhos SA, como enólogo assistente; Mount Barker e Margaret River na Austrália Ocidental para uma das maiores empresas de vinhos do mundo, a Constellation Wines AU, e finalmente, após 2009 até ao presente, ingressei no projeto da Prats & Symington com algumas viagens até à Africa do Sul, na Cidade do Cabo para trabalhar num projeto de Bruno Prats, que é um sócio da Prats & Symington (P&S).

Como foi integrar os quadros da empresa “Prats & Symington”? Como tem sido essa experiência?
Em 2005 comecei a trabalhar para a Symington- Vinhos SA como enólogo assistente na Quinta de Roriz, durante a vindima. Durante o restante período do ano estava responsável pela viticultura da Warre’s, que pertence também à família Symington e é detentora de quatro propriedades no Douro.
A P&S adquiriu, em 2009, a Quinta de Roriz, que é uma propriedade com bastante poder histórico na região do Douro e que tem uma adega que foi totalmente reconstruída em 2004 e está inteiramente focada para vinhos de consumo DOC.
Como eu já tinha conhecimento da propriedade, da adega e do projeto em si, a P&S convidou-me a trabalhar em conjunto com Bruno Prats e Charles Symington na enologia e viticultura deste projeto.
É muito gratificante e enriquecedor poder trabalhar numa equipa com este conhecimento técnico, bem como o reconhecimento nacional e internacional adquirido ao longo do tempo.

A que vinhos e projetos da “Prats & Symington” está ligado? Que vinhos lhe deram mais prazer fazer e quais os que o marcaram profissionalmente?
Estou ligado às quatro marcas DOC que a P&S produz desde 2009, ano que ingressei neste projeto e que são o Chryseia, o Post Scriptum, o Prazo de Roriz e o Quinta de Roriz Reserva. Obviamente que o Chryseia é o mais falado pelo reconhecimento e mediatismo que tem tido desde o início.
O prémio do Chryseia 2011 atribuído pela revista americana Wine Spectator em 2014 como o 3.º melhor vinho do mundo, foi como de esperar, a “bandeira” da minha carreira profissional.
No entanto, todos me dão prazer fazer porque é algo fascinante poder acompanhar todo o processo, desde a escolha do local para a plantação da videira, as necessidades nutricionais da planta, a decisão de colher as uvas no momento ideal, a vinificação adequada de cada casta, a evolução do estágio/envelhecimento de cada vinho e finalmente, após o engarrafamento, o prazer de ver o consumidor a degustar uma garrafa de vinho que tanta história por trás tem.

Como é, aos 37 anos, trabalhar num dos maiores projetos vínicos de Portugal, de projeção mundial, com tantos prémios conquistados e permanecer “na sombra”. É envergonhado, não gosta das luzes da ribalta?
Conhece a Raquel Carvalho? O Paulo Francisco? A Sandra Vieira? Posso-lhe dizer que são todos nomes de grandes enólogos bairradinos por trás de grandes projetos e grandes vinhos, mas que são, conforme refere, “ensombrados” pelos projetos para os quais estão a trabalhar.
O nosso trabalho é muito de “BackOffice” ou retaguarda e também administrativo, que requer muito tempo em escritório que não é tão apelativo para o jornalismo.
De qualquer forma, para mim, o reconhecimento é feito a nível pessoal com objetivos concretizados. Felizmente, tenho-os conseguido atingir e a cada dia que passa novos objetivos surgem.
Não sou envergonhado nem tenho medo das luzes da ribalta, neste projeto para o qual estou a trabalhar, existem nomes conceituados e dessa forma só tem de se aproveitar os recursos existentes. Um Charles Symington ou um Bruno Prats são nomes conhecidos e, na verdade, este projeto tem o nome deles.

O que é que o Douro tem de tão especial?
É uma região cuja indústria rodeia muito a viticultura e a enologia, dessa forma, as pessoas de lá respiram e vivem com muita intensidade todo o processo evolutivo que tem vindo a acontecer.
O Douro tem tido uma visibilidade internacional bastante grande, muito devido aos grandes vinhos lá produzidos.
É, sem dúvida, uma região que tem sido extremamente importante na projeção internacional dos vinhos portugueses aos quais nós, felizmente, temos vindo a fazer parte. Paisagisticamente é deslumbrante e ninguém fica indiferente.
É especial porque é único…

Sei que passou pela África do Sul e pela Austrália. Como vê essas experiências?
Quando iniciei os estudos em Enologia, uma experiência na Austrália, Nova Zelândia, Chile ou outro país do hemisfério sul, era uma estrela no currículo que era muito valorizada.
Hoje em dia, quem não realizar uma experiência dessas é questionado porque ainda não o fez. É quase como uma obrigação profissional e requisito de emprego.
No final de 2008 quando decidi “aventurar-me” para a Austrália, foi uma decisão difícil pois nesse momento já pertencia aos quadros da Symington e basicamente teria de prescindir de uma situação profissional estável por algo incerto. Pensei que se não aproveitasse essa oportunidade, nunca mais poderia surgir outra igual, então despedi-me da Symington e lá fui eu.
Enquanto estava na Austrália, a Symington contactou-me para abraçar o projeto deles com o Bruno Prats e como era algo com que me identificava, obviamente que aceitei e regressei.
Na África do Sul houve a magia de lá ter passado parte da minha infância e o poder regressar foi delicioso para mim.
Estive numa das cidades mais bonitas do mundo, a Cidade do Cabo, mais precisamente em Stellenbosch que é uma região vitivinícola no sul do país. Estive a fazer vinho em Anwilka que pertence também a Klein Constantia e que obteve este ano o 10.º melhor vinho do mundo pela mesma revista Wine Spectator com o seu “Vin de Constance”.
A nível de experiência, vejo com muita naturalidade e a meu ver, tem sido esse conhecimento internacional que nos tem colocado ao nível dos melhores do mundo.
O que aprendi? Aprendi que ainda podemos aprender mais, bastando para isso abrirmos mais as portas ao conhecimento externo, aprendi que temos todas as ferramentas para sermos grandes nesta área, apenas temos de as saber “manusear” que, felizmente e a meu ver, penso que estamos a ir no rumo certo.

Bairradino de corpo e alma

É um bairradino. Como vê, hoje, a região da Bairrada?
Hoje vejo a Bairrada como uma região renovada, que se está a mexer, inovar mas sem trair a sua forte identidade. A estratégia lançada de assentar muito da promoção da Bairrada nos seus espumantes, em particular os produzidos a partir da Baga, a meu ver revelou-se acertada.
Tem sido reconhecida e galardoada com prémios de excelência que não surgem por acaso ou porque alguém se lembrou que era a altura, surgem sim porque tem havido um trabalho bem alicerçado dos produtores em parceria com a Comissão Vitivinícola da Bairrada. Hoje sou um Bairradino orgulhoso pelo que se cá faz.

Existem já vários vinhos premiados e o espumante assume um papel cada vez mais preponderante na região. A região da Bairrada e os agentes estão a seguir o rumo certo?
Sem dúvida alguma. Além de estarem a seguir o rumo certo, estão a ser autocríticos, nota-se um querer melhorar em todos os sentidos. Um melhorar na qualidade das vinhas e consequentemente dos vinhos, um melhorar a imagem deles projetada, um melhorar na comunicação de cada um deles. A Bairrada, hoje em dia, não é só leitão, o enoturismo tem vindo a crescer e isso deve-se muito à estratégia que está a ser levada a cabo pelos produtores e pelos agentes.

Quais são as suas castas preferidas da região?
Eu sou um defensor acérrimo da casta Baga na Bairrada. São muito poucos os vinhos monovarietais que eu gosto e um Baga tinto, bem trabalhado na adega, com uvas no ponto de maturação ideal, é delicioso. Não é necessário “blends” com outras castas ou correções diversas para definir o que de melhor tem. Assim sendo, como casta tinta, sem dúvida que a Baga é a minha casta de eleição. Nos brancos, gosto especialmente do Bical e do Arinto pois definem bem a elegância que a acidez pode conferir a um vinho na Bairrada. Quando lidamos com gostos pessoais, é tudo muito relativo.

Qual a sua opinião pelos novos projetos que vão surgindo na Bairrada (Vadio, Carvalheira Wines, Kompassus, Quinta da Vacariça, entre outros)?
Têm sido fundamentais no sucesso e visibilidade que a região tem vindo a ter. Todos são projetos únicos e até acrescentava mais alguns à lista, no entanto e cingindo-nos a estes, posso dizer que conheço bem o Luis Patrão porque fomos colegas de curso e ele é, sem dúvida, um grande e excelente embaixador da nossa região com o seu projeto familiar Vadio. No projeto Carvalheira Wines, o José Carvalheira foi meu professor na EVEB e demonstra de facto do melhor que por cá temos. Todos transmitem uma imagem de elegância, excelência, qualidade e consistência que é o fundamental para o sucesso de uma marca e neste caso, de uma região.

Vê-se um dia a fazer vinho por cá?
Obviamente que como bairradino que sou, gostaria de fazer vinho na minha região. Tenho um pequeno projeto em que produzo aproximadamente 2 mil garrafas de uma vinha velha de Baga, da zona de Ancas. Infelizmente não tem dado para evoluir muito pois a disponibilidade é pouca e o projeto ainda não é autossustentável. Pode ser que um dia surja a oportunidade de vir trabalhar na Bairrada e aí, o meu pequeno projeto cresça e eu saia da “sombra”.

catarina cerca


Diário de Aveiro


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