Editorial
Lacraus na cartola
Armor Pires Mota
Depois de algum desnorte inicial e alguma precipitação à mistura, mercê da insustentável pressa de mostrar serviço e poupar algum dinheiro ao erário público, o governo de Durão parece no momento a estar mais seguro dos projectos em vista e medidas a tomar. Apesar de estar rodeado de múltiplos problemas e à beira de travar batalhas decisivas como a da nova legislação laboral e o orçamento de Estado que podem vir a fermentar greves que são uma ameaça constante. Mas outras batalhas têm de ser levadas por diante: combate ao fisco e evasão fiscal, um combate sem tréguas, segundo anunciou o primeiro ministro na Póvoa do Varzim, na rentrée política do PSD.
Aqui Durão Barroso falou mais como primeiro ministro do que como presidente do partido e fê-lo com a firmeza e a serenidade necessárias. Daí ter-se refugiado em propostas e na sementeira da esperança para os portugueses, pondo de lado os recados para o PS que, todavia, não passou incólume na medida em que essa tarefa coube ao presidente da distrital do PSD / Porto e ao líder da JSD, Pedro Duarte, como há oito dias coubera, numa estratégia concertada, a Paulo Portas não só falar de igual para igual, e em terreno adverso, para as centrais sindicais, mas também com o objectivo claro de anular a rentrée de Ferro Rodrigues o que, pelo tom do discurso conseguiu plenamente. O pior é que pouco tempo saboreou sossegado o êxito inequívoco da intervenção. Pouco tempo depois, surgiam-lhe à perna e novamente os fantasmas da Universidade Moderna a partir da demissão de Maria José Morgado que um deputado socialista, Eduardo Cabrita, logo considerou relacionada com pressões políticas por causa do caso Moderna. Porém, isso foi considerado pela ministra da Justiça como um processo de intenções e de insinuações... o que foi afirmado pela própria demissionária. Todavia o que Paulo Portas certamente terá ainda de explicar é a promiscuidade financeira entre a Moderna e a Agência de Sondagens Amostra e o destino dado aos milhares de contos recebidos...
O primeiro ministro deixou uma mensagem de confiança aos empresários em especial e ao povo português em geral numa perspectiva de que melhores dias virão, mas para isso há que apertar o cinto por dois anos no mínimo, porque, se evitou dizer que o país está de tanga, nem esse pormenor anula a realidade nua e crua. Talvez fosse bom que cada empresa ou cidadão puxasse de caderno e lápis ou de máquina de calcular e fizesse as contas relativamente aos danos que um mau governo causou a todos. Parem um momento e verão quanto custa a um país ter governos de muito diálogo e de mãos mais largas ainda. A esperança em dias melhores virá aí através de um orçamento de recuperação, que será efectivamente de rigor, assim prometeu, no sentido de atingir a meta de redução do défice em 2003 abaixo dos 3%. Anunciando mesmo que o governo está a controlar as contas públicas, garantindo que o défice em 2002 ficará também abaixo daquela fasquia. Para isso só poderia deixar uma receita que é a única capaz de fazer a viragem que se deseja: o trabalho. Aliás, a grande tónica do discurso de Paulo Portas. Lema: “trabalhar muito muito, trabalhar mais e melhor do que os outros, trabalhar com afinco e determinação”.
Se Durão aliciou os empresários com a criação de novas quotas de mercado, não deixou de dizer, por outro lado, alto e bom som, que “a fuga aos impostos tem os dias contados” e vai assim haver mão pesada para os que não cumprem as suas obrigações fiscais.
Aproveitou a rentrée ainda para reforçar a ideia da aposta do governo num acordo de concertação social, importante para todas as partes envolvidas, trabalhadores e empresários, e consequentemente o próprio país.
O que Durão Barroso não abordou, nem um cisco, foram os desejos do PS que se resumem no regresso do IVA aos 17% e à concessão de crédito bonificado para obtenção de casa própria. Fez silêncio sobre isto, como faria qualquer político inteligente. Andar para trás ou aos ziguezagues é o pior que pode acontecer a um partido, sobretudo a um governo. E o PS sabe disso e pagou nas urnas um preço bem alto pelos ziguezagues. Ainda que o governo hoje possa sentir que os frutos são muito reduzidos perante os imensos custos. Isso foi o que Ferro Rodrigues propôs na rentrée do seu partido, o que foi muito pouco, para além das tricas do costume, que é tempo de enterrar. Bem como o PSD não deve bater mais no ceguinho. Basta. Chega-se a um tempo que já cansa. Sejam uns e outros mais construtivos e operantes. Nesse sentido já o PS se mostra disponível para um pacto de regime no que concerne ao combate à fraude fiscal. Já é um passo. Resta saber a troco de quê, porque os políticos têm sempre exigências na agenda e pássaros na cartola.
Que saiam e voem sempre os pássaros, símbolo de ideais mais altos colocadas acima dos meros interesses pessoais ou de partido ou sinónimo de projectos sustentados com verdade e de efeito benéfico para os cidadãos. Mas há para aí cartolas que, por mau uso, só acolhem lacraus e pouco mais.
(6 Set / 10:12)
Diário de Aveiro |
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