Três homens encapuzados e fortemente armados atacaram ontem a sede do jornal satírico francês “Charlie Hebdo”, em Paris, fazendo 12 mortos e vários feridos, um «atentado terrorista de extrema barbárie» denunciado pelo presidente francês e por governos de todo o mundo.
Segundo as autoridades, os atacantes, vestidos de preto e armados de espingardas automáticas “kalashnikov”, irromperam pela sede do semanário quando decorria uma reunião e abriram fogo matando 12 pessoas (incluindo oito jornalistas) e ferindo 11, quatro dos quais em estado muito grave.
Entre os mortos figuram o director e outros três dos principais cartoonistas do jornal: Stéphane “Charb” Charbonnier, 47 anos, jornalista e director; e Jean “Cabu” Cabut, 76 anos, Georges Wolinksi, 80 anos, e Verlhac “Tignous” Bernard, 58 anos, todos cartoonistas. Foram ainda mortos dois polícias.
À saída, antes de fugirem num automóvel, gritaram «Alá é grande» e «Vingámos o profeta», segundo testemunhas. Num vídeo do ataque, filmado por um dos ocupantes do edifício que se refugiou num telhado e difundido no “site’ da France Télévisions, ouve-se uma voz de homem gritar “Allahu Akbar” (Alá é grande) entre o som de vários disparos.
O paradeiro e identidade dos autores do ataque, que abandonaram na zona norte de Paris o carro em que fugiram, não são ainda conhecidos.
O “Charlie Hebdo” tornou-se conhecido em 2006 quando republicou cartoons do profeta Maomé, inicialmente publicados no diário dinamarquês “Jyllands-Posten” e que provocaram forte polémica em vários países muçulmanos.
Em 2011, a sede do semanário ficou destruída num incêndio de origem criminosa depois da publicação de um número especial sobre a vitória do partido islamita Ennahda na Tunísia, no qual o profeta Maomé era o “redactor principal”.
O ataque, sem precedente em França e um dos mais mortíferos das últimas décadas, foi qualificado pelo presidente francês, François Hollande, como um «atentado terrorista de extrema barbárie» num «país de liberdade».
Após o ataque, o Governo elevou o nível de segurança na região de Paris para o mais alto, designado “alerta de atentado” e convocou uma reunião de crise, com os principais membros do executivo e responsáveis da segurança. Redacções, os grandes armazéns e centros comerciais, onde ontem começaram os saldos de Inverno, locais de culto, escolas e transportes foram colocados sob “protecção reforçada” da polícia.
Mundo chocado com ataque
à liberdade de imprensa
Consternação, choque e ataque à liberdade de expressão foram palavras repetidas ontem para comentar o ataque ao jornal satírico “Charlie Hebdo”. Dirigentes de vários países, organizações de defesa dos direitos humanos e da liberdade de imprensa e organismos religiosos condenaram o atentado. O Presidente da República, Cavaco Silva, enviou ao presidente francês uma carta expressando «condenação e repúdio» por um ataque que atingiu a liberdade de imprensa, um «princípio fundamental» da democracia. Também o primeiro-ministro Passos Coelho condenou o «acto de terrorismo odioso» e manifestou-se convicto de que a França e os seus valores de «liberdade e tolerância» triunfarão sobre quem os atacou.
A chanceler alemã, Angela Merkel, disse-se «chocada com o abominável» ataque, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, denunciou um «acto revoltante», o chefe do governo espanhol, Mariano Rajoy, condenou um ataque «vil e cobarde», e o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, manifestou «horror e consternação». Nos Estados Unidos, o Presidente Barack Obama condenou «o terrível ataque» e ofereceu colaboração a França para identificar e punir os seus autores e, na Rússia, o Presidente Vladimir Putin condenou «o terrorismo sob todas as suas formas».
O Vaticano condenou esta «dupla violência» contra pessoas e contra a liberdade de imprensa, a Liga Árabe «condenou energicamente» o ataque, e a principal autoridade do Islão sunita, a mesquita Al-Azhar, no Cairo, lamentou o «ataque criminoso». A secção francesa da Amnistia Internacional lamentou «um dia negro para a liberdade de imprensa» e a organização Repórteres Sem Fronteiras qualificou o acto como «um pesadelo tornado realidade».
Os momentos
da tragédia
Vestidos de preto e munidos de “kalashnikovs”, três homens encapuzados irromperam, por volta das 11h20 (10h20 em Lisboa), pelo número 6 da rua Nicolas-Appert, num bairro de Paris onde se situam os arquivos do semanário satírico “Charlie Hebdo”. «É aqui que fica o Charlie Hebdo?», gritaram, antes de perceberem que se tinham enganado na morada.
Seguindo rapidamente para o número 10, ao fim da rua, onde se situa a redação do semanário, dispararam sobre o pessoal da recepção e subiram ao segundo andar, onde decorria uma reunião editorial de jornalistas e cartoonistas. «Os homens
dispararam e mataram
as pessoas na sala, bem como o polícia encarregue de proteger Charb (director da publicação), que não teve tempo de reagir», disse fonte policial. Apenas uma pessoa sobreviveu, por se ter escondido debaixo da mesa. A polícia recebeu relatos de disparos na sede do “Charlie Hebdo” e enviou agentes para o local. Os autores dos disparos fugiram,
gritando “Alá é grande”,
e depararam-se com a polícia, tendo-se desenrolado um tiroteio. Em seguida, entraram num Citroën C3 preto e trocaram tiros com os ocupantes de outro veículo policial, alvejando-o uma dúzia de vezes, sem, contudo, ferirem os agentes.
Aparentando calma, os assassinos avançaram com as armas em riste e foram procurando alvos pelas ruas, antes de executarem a sangue-frio um polícia ferido caído no chão. Regressaram para
o carro de fuga que os aguardava, e que abandonaram no leste de Paris, antes de roubarem um carro e fugirem em direção ao norte da capital.
Ataque inqualificável
O ataque de ontem, protagonizado por terroristas armados, às instalações em Paris do jornal Charlie Hebdo, é um verdadeiro atentado à Vida, à Liberdade de Imprensa e à Tolerância, valores que são os alicerces dos regimes democráticos.
Este desprezível assassínio vai ficar marcado na História como um dia negro e merece uma veemente condenação e repúdio pelo nosso Jornal.
O bárbaro episódio vivido em Paris é também o espelho da intolerância pela livre expressão, um direito democrático com que alguns parecem não saber conviver. É tempo pois de reforçar a defesa da democracia e dos valores da liberdade, combatendo posturas totalitárias e de extremismo.
Às famílias das vítimas deste cobarde ataque endereçamos os nossos pêsames, bem como a nossa solidariedade e apoio. Em honra das vítimas do atentado, o nosso logotipo de hoje é impresso a preto e branco.
Diário de Aveiro |