Aproveitado exclusivamente para a produção de aguardentes e licores, uma equipa de investigadores da Universidade de Aveiro (UA) quer ver também o medronho nacional fora das garrafas e consumido fresco ou incluído noutros alimentos. A capacidade de evitar os radicais livres responsáveis por doenças como o cancro, de controlar os níveis de colesterol e de melhorar a saúde da pele e dos ossos, propriedades descobertas no medronho pelo Departamento de Química (DQ) da UA, dão o mote aos objetivos dos investigadores desafiados pela Cooperativa Portuguesa de Medronho: colocar o fruto na roda alimentar dos portugueses.
E se dúvidas possam haver quanto à versatilidade gastronómica do medronho, dia 3 de dezembro, às 16h30, na sala do Senado da Reitoria, uma mostra de alimentos, com o fruto na lista de ingredientes pretende acabar com o ceticismo. Toda a comunidade está convidada a ver e, literalmente, a provar o porquê do trabalho do DQ.
O desafio lançado à UA para o desenvolvimento de produtos naturais, saudáveis, de produção local e práticos, em conformidade com as atuais tendências do mercado alimentar e que contenha o ingrediente que abunda em todo o país, foi formalizado há um ano atrás. Desejam os produtores que os milhares de toneladas de medronho produzidas anualmente em Portugal não só tenham outros destinos para além das destilarias como também que o fruto possa constituir uma imagem de marca de uma alimentação saudável.
O trabalho desenvolvido em colaboração entre as unidades de investigação Química Orgânica, Produtos Naturais e Agroalimentares (QOPNA) do DQ e o Centro de Investigação em Materiais Cerâmicos e Compósitos (CICECO) da UA, já resultou na incorporação da polpa do medronho em vários alimentos comuns, sejam biscoitos, iogurtes, barras energéticas ou bombons. O passo seguinte da equipa de químicos de Aveiro será o do eventual isolamento dos compostos do fruto que possam ser promotores de saúde humana e a sua adição a alimentos funcionais. E ingredientes para isso não faltam.
A caracterização química detalhada do medronho realizada pelos investigadores da UA destaca a presença de ácidos gordos insaturados, nomeadamente ómega 3 e 6, fitoesteróis e triterpenóides, compostos com importante atividade biológica. “Os ómegas 3 e 6 são ácidos gordos essenciais que têm de ser obtidos a partir da dieta uma vez que o nosso organismo não os sintetiza”, explica Sílvia Rocha. A investigadora no QOPNA, juntamente com os investigadores Armando Silvestre, do CICECO, e a aluna de Mestrado Daniela Fonseca, lembra que esses compostos “têm demonstrado um papel importante no controlo dos níveis de colesterol, na saúde da pele e dos ossos e uma relação inversa entre o consumo de ómega 3 e a perda de funções cognitivas”.
Da mesma forma, os esteróis, aponta Sílvia Rocha, “têm um importante papel na saúde uma vez que contribuem regular o nível de colesterol”. E os triterpenóides, para além de ajudarem igualmente a controlar o colesterol, têm uma ação anti-inflamatória, antimicrobiana e antifúngica. Assim, sublinha, “a presença destes compostos com atividade biológica reconhecida contribui para a valorização do consumo do medronho”.
Potencialidades antioxidantes
Os resultados do estudo desenvolvido mostram ainda que os medronhos da Serra da Beira, que os investigadores têm usado no trabalho, “apresentam uma atividade antioxidante superior à de frutos de outras proveniências, tanto de Portugal como de outros países europeus”.
“A atividade antioxidante reflete a capacidade de evitar a formação de radicais livres, substâncias que, quando produzidas em excesso no organismo são responsáveis pelo stress oxidativo, conhecido por provocar danos no organismo humano, os quais estão associado ao envelhecimento e aumento da suscetibilidade a diversas doenças, nomeadamente as doenças civilizacionais emergentes”, aponta Sílvia Rocha. A investigadora lembra que “o estilo de vida atual é um dos fatores desencandeadores de stress” e que por isso, “o consumo regular de medronho em fresco ou a sua inclusão noutros alimentos pode ser visto como aspeto valorizador da dieta e, por conseguinte, diminuir a suscetibilidade ao desenvolvimento de doenças”.
Os investigadores do QOPNA e do CICECO lembram que não é comum encontrar medronhos frescos no mercado. “Este fruto é muito perecível e, quando colhido maduro da planta, apresenta um teor alcoólico que tem uma conotação negativa junto da população”, destaca Sílvia Rocha. Para contrariar o cenário os químicos da UA já têm definidas as condições para recolha e armazenamento do fruto no sentido de incrementar respetivo consumo ao natural.
“Agora é preciso arranjar parceiros e financiamento”, sublinha Sílvia Rocha. “Esses são os dois elementos chave que estamos a procurar neste momento para se avançar com a introdução do medronho na indústria alimentar”, acrescenta.
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