A Igreja dos Plebeus
António Marcelino*
O livro esperava no monte onde esperam muitos outros. Este já lá estava há mais de um ano porque, mesmo quem gosta muito de ler, não consegue chegar a tudo o que precisa e muito menos ao que lhe agrada.
De três dias a cuidar das mazelas que vêm vindo ao de cima, algum tempo havia de sobrar para ler. Foi assim que peguei e meti na pasta “Cartas à Igreja dos Plebeus”. O título já me havia chamado a atenção e, desta vez, não foi difícil optar. Em boa hora.
Diz assim na contracapa: “O autor é um leigo casado, pai de quatro filhos. Tem a profissão de desenhador. Cristão comprometido, olhou e continua a olhar para a Igreja do ponto de vista laical. Alegrou-se e sofreu pela igreja e com a igreja”.
Finalmente, chegou também para ele, como para todos os leigos em geral, o Vaticano II e com ele novos horizontes se abriram de esperança, de cidadania eclesial e de compromisso.
Félix Lopes Pulido, assim se chama o autor, um leigo conciliar, que tem ideias claras sobre os cristãos leigos na igreja e na sociedade e sobre a espiritualidade laical e as suas características, sabe exprimi-las numa linguagem simples e clara. Coisas tão importantes como as que o Concílio disse, pensa ele, todos as devem saber e perceber.
Os bispos e os padres têm dito essas coisas, mas a linguagem deles não chegou à compreensão do povo. Quando falam, parece sempre latim, mesmo quando é linguagem de todos. A deles não é linguagem da rua, dos simples, e o homem da rua é também ele um filho de Deus, com direito a saber o que o Pai pensa dele, espera dele e quer dele.
O autor dá-se nas suas cartas pelo nome de Zaqueu. Lá teve as suas razões para esta escolha. Zaqueu, quando se viu amado e escolhido por Jesus para ir a sua casa, deu em dizer palavras que vinham mesmo lá de dentro e denunciavam que havia novidade na sua vida e que os seus caminhos iam passar a ser outros.
Mas, então, e os plebeus quem são eles? Precisamente os cristãos da plebe, aqueles a quem a cultura religiosa nunca chegou, os que “se meteram, na aventura de acreditar, apenas com a água benta que lhes ditaram na cabeça e o catecismo dos velhos tempos que lhes meteram debaixo do braço e que, agora, se vêem gregos para se adaptarem aos “sinais dos tempos”. Gente atarefada que reza à pressa e procura arrimar-se aos santos, que sempre protegem alguma coisa, mas gente que tem de acordar para a consciência de que alguém a pode impedir de serem “construtores do Reino, colaboradores do Pai, companheiros de Cristo no seu empreendimento e portadores do Espírito nesta tarefa de fazer que os homens se amem.
E é assim que, de modo simples e directo, se fala de tudo quanto do Concílio diz respeito ao laicado cristão e que, passados mais de trinta anos, podemos verificar que ainda não chegou ao povo.
Tenho sido, como tantos outros, um batalhador nesta causa de levar o Concílio ao povo e com ele abrir caminhos e horizontes auspiciosos para o apostolado e para a acção pastoral dos leigos no mundo de hoje. Não enjeito, porém, solidariamente, alguma culpa do munito que ainda não se fez, mas que tem mesmo de se fazer.
O livro de que venho falando pode ajudar esta tarefa. Vale a pena lê-lo e reflectir sobre o que se tem e não se tem feito e o que é possível fazer para que “os plebeus” assumam a sua plena cidadania na igreja de Cristo, que é também, de pleno direito, a sua igreja.
*Bispo de Aveiro
(14 Mai / 10:51)
Diário de Aveiro |
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