Um grupo de biólogos da Universidade de Aveiro (UA) descobriu uma nova espécie de microalga numa lagoa pouco profunda localizada na Gafanha da Boavista. O organismo pertence ao grupo dos dinoflagelados e tem a particularidade de produzir quistos de resistência com um revestimento calcário. Estas estruturas calcárias são exclusivas de um pequeno grupo de dinoflagelados e eram até agora totalmente desconhecidas em espécies de água doce. A descoberta do novo organismo, que recebeu o nome de Theleodinium Calcisporum, foi publicada este mês na Phycologia, uma das mais reconhecidas revistas científicas internacionais na área das algas. “Até à descrição de Theleodinium Calcisporum todas as espécies com quistos calcários descritos eram marinhas”, aponta António José Calado. O investigador do Departamento de Biologia e da unidade de investigação GeoBioTec – Geobiociências, Geotecnologias e Geoengenharias da UA, responsável, juntamente com as biólogas da UA Sandra Craveiro e Mariana Pandeirada, pela descoberta, explica que “os quistos, ou células de resistência, dos dinoflagelados são estruturas de parede espessa que perduram no sedimento das massas de água, por vezes durante anos, servindo para reintroduzir as populações na coluna de água em condições favoráveis”. Dos milhares de quistos conhecidos, apenas um número reduzido tem uma camada cristalina calcária a revestir a parede orgânica comum a todos os quistos de dinoflagelados. “Até à descrição de Theleodinium Calcisporum todas as espécies com quistos calcários descritos eram marinhas”, salienta o investigador. O grupo de dinoflagelados a que o novo género e a nova espécie pertence “tem as células móveis revestidas por uma cobertura na qual é possível distinguir unidades, ou placas, com um arranjo bem definido”. António Calado diz que “esta cobertura, ou teca, fornece aos investigadores dados concretos em que basear a identificação dos membros do grupo, que os dinoflagelados sem teca não possuem”. É, por isso, “notável o aparecimento de uma espécie desconhecida deste conjunto de dinoflagelados, que está entre os mais bem estudados”, sobretudo na Europa. O grupo, aponta o biólogo, “é extraordinariamente diversificado, quer no que diz respeito a diversidade de espécies, quer de papéis ecológicos desempenhados”. No ambiente marinho estão entre os principais produtores primários, suplantados apenas pelas diatomáceas. Em água doce formam frequentemente grande parte do fitoplancton. “Um grande número de espécies são heterotróficas, alimentando-se de organismos pertencentes a vários níveis das cadeias tróficas, incluindo, com frequência, animais. E muitas espécies combinam a capacidade fotossintética com as actividades predatórias”, explica. Os dinoflagelados, acrescenta António Calado, são responsáveis pela maioria das chamadas 'marés vermelhas', “desenvolvimentos em massa de indivíduos de algumas espécies, sobretudo em ambiente costeiro, muitas vezes com produção de toxinas e enormes impactos nas comunidades aquáticas”. Na Ria de Aveiro, por exemplo, estão na origem das toxinas que motivam as frequentes interdições da apanha e comercialização de bivalves. O nome de Theleodinium Calcisporum deriva do grego thele (mamilo), em alusão ao formato da parte apical das células. O epíteto específico Calcisporum refere-se ao revestimento das células de resistência por cristais calcificados. A descrição do novo organismo foi baseada na combinação de microscopia óptica com microscopia eletrónica de varrimento e de transmissão, suportada por uma análise filogenética apoiada numa sequência de 3048 nucleótidos do operão nuclear do ribossoma. Os investigadores da UA, que neste trabalho contaram com a colaboração do Departamento de Biologia da Universidade de Copenhaga (Dinamarca), acreditam que é possível encontrarem na lagoa da Gafanha da Boavista mais espécies até agora desconhecidas pela Ciência. “Temos em cultura outras espécies de dinoflagelados potencialmente novas para a ciência provenientes do mesmo local”, desvenda António Calado. Diário de Aveiro |