MARIA DA GLÓRIA, PINTORA: “PINTAR É UMA NECESSIDADE DO CORPO E DA ALMA”

Disse em tempos que a pintura levou-a “a nascer de novo”. Mantém essa perspectiva ou, questionando de outro modo, o que representa a pintura para si hoje em dia?
Ainda mantenho esse sentimento. Pintar é uma necessidade. O meu filho mais novo até me pergunta: “mãe, quantos amores tens?”. E digo-lhe: “tenho quatro – vocês os três, mais a pintura”. É uma paixão que está dentro de mim e que não consigo, nem quero, ultrapassar.

Como se desenvolve o seu processo criativo? Pinta todos os dias?
Este mês não pinto, porque tenho os dois filhos em casa o dia todo. Habitualmente, pinto de noite. Sobretudo no inverno, tenho de ficar acordada para mudar a roupa ao mais velho e dar-lhe a medicação [é uma pessoa com necessidades especais]. E quando estou a pintar esqueço os problemas, até esqueço as dores, se as tenho.

Essa pintura pela noite dá-lhe calma?
Não é bem calma… isola, absorve-me, faz-me esquecer do corpo e dos problemas. Muitas vezes, coloco música a acompanhar a pintura. São momentos em que saio de mim. Mas não é uma questão de calma, antes de me concentrar no princípio activo do que está ali e que me absorve de tal maneira que me esqueço do resto.

Trabalha com intensidade?
Com muita intensidade. Pinto por etapas: ao começar um quadro, dou-lhe uma primeira e uma segunda camadas… E é um prazer estar ali, a mandar tinta para lá… Porque prefiro assim, para que saiam aqueles relevos… E começo a criar qualquer coisa, partindo de um pensamento ou de uma frase. Mas, depois, paro durante uns dias. Após essa pausa, olho para o quadro e a cabeça vai organizando o que quero lá colocar. Por norma, trabalho assim. Não quer dizer que seja assim com todos os quadros, mas na maior parte das vezes este é o meu processo criativo. E há quadros que não consigo dominar. Há um, que está agora numa exposição em Arouca, e que esteve recentemente numa mostra em Paris, que eu não sabia o que lá colocar. Comecei a pintar e, quando dei por mim, tinha uma mulher com as pernas abertas… Pensei: “isto não deve ser meu!”. Dei uns retoques, mas a imagem parecia não querer ser apagada. Ainda comentei com o meu marido que deveria “apagá-la”, por não combinar com o género de temática que costumo fazer. Mas a verdade é que gostei do quadro… Parecia chocante, demasiado evidente. Acabou por ficar assim.


Diário de Aveiro


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