Nessa manhã não se trabalhou. Se a comunidade científica mundial parou para ouvir a conferência que anunciou a descoberta do bosão de Higgs pelo Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN), os seus 10 mil trabalhadores sustiveram a respiração para receberem a notícia da descoberta de uma nova partícula, a possível partícula de Deus. A testemunhar a História, em directo e ao vivo, estava Tiago Rocha. Concluiu o curso de Engenharia Mecânica na Universidade de Aveiro (UA) no ano passado e, meses volvidos, é a mais recente aquisição do CERN, o laboratório onde está o mais famoso e complexo acelerador de partículas do mundo. "Para garantir lugar na conferência, houve mesmo pessoas que dormiram à porta da sala", lembra Tiago Rocha. "Apesar de nem todo o CERN estar directamente ligado à descoberta, é um privilégio para todos pertencer a esta instituição que está a fazer descobertas históricas e sentir que de uma maneira ou de outra contribuímos para que estas sejam possíveis". O jovem engenheiro português traz o orgulho estampado no rosto. Não é para menos. Ainda há um ano, estava longe de imaginar a concretização de um sonho enorme. O Tiago Rocha tem 24 anos e nasceu em Aveiro. Frequentou na UA o Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica, de 2006 a 2011, que o especializou em Automação e Robótica. A dissertação de mestrado do Tiago foi realizada no projecto ATLASCAR, o veículo de condução autónoma do Departamento de Engenharia Mecânica, e teve como tema "Piloto automático para Controlo e Manobras de Navegação do ATLASCAR". Nesse trabalho, relembra o jovem engenheiro, "o principal objetivo foi dotar o carro de um sistema capaz de monitorizar e controlar os sistemas básicos do veículo (direcção e acelerador), bem como a implementação de manobras básicas como (a ignição ou o arranque)". Depois de terminar o curso, realizou um estágio de seis meses na maior fábrica mundial de limpa parabrisas. Vestiu então, na Bélgica, a camisola da Bosch até fevereiro de 2011. Dessa experiência acrescentou no currículo as grandes responsabilidades que lhe foram atribuídas no departamento de investigação e desenvolvimento da multinacional: "era responsável pela optimização de sensores e do método para medir a força que o vento faz nos limpa parabrisas. Tinha a meu cargo também a realização de testes para medir a mesma força em pistas de alta velocidade e no túnel de vento da BMW, em Munique". No site da UA, viu entretanto uma outra luz ao fundo do túnel: a Agência de Inovação estava a conceder bolsas para estágio na Agência Espacial Europeia, no Observatório Europeu do Sul e no CERN. Apontou para este último, candidatou-se, foi aceite e, em Abril deste ano, rumou de armas e bagagens para os arredores de Genebra, na Suíça, onde está instalado o CERN que tanto tem maravilhado a Ciência. A trabalhar no Departamento de Engenharia do Laboratório suíço, Tiago Rocha pertence ao grupo de automação e controlo. Este tem por missão controlar todos os equipamentos do CERN. "A minha principal responsabilidade", explica Tiago Rocha, "é desenvolver, testar e optimizar o protocolo de comunicação entre os dispositivos de controlo (PLC's) e os computadores". Neste preciso momento, o engenheiro de Aveiro tem em mãos "o controlo para uma experiência nova que pretende estudar um decaimento muito raro do kaon". Mais explicações sobre este trabalho não pode dar. Descontraído diz: "como não sou físico, não posso dar mais informação sobre esta experiência pois ultrapassa os meus conhecimentos". Dez mil trabalhadores de 113 nacionalidades diferentes fazem o dia a dia do famoso centro de investigação. Só no grupo de trabalho de Tiago Rocha há investigadores de Espanha, Inglaterra, Camarões, França, Bélgica, Rússia e "de outros tantos países". "O ambiente de trabalho é fantástico", regozija-se Tiago Rocha. "Todas as pessoas estão sempre prontas a ajudar. Tenho aprendido muito com elas", garante. Como se não fosse isso meio caminho andado para o sucesso, "temos ainda as melhores condições para que possamos realizar o nosso trabalho com sucesso e é-nos dada liberdade para estudar e implementar ideias que possam vir a ser interessantes". É por isso que o Tiago se adaptou tão bem ao trabalho. "A utilização de alguma tecnologia e software unicamente utilizado no CERN fez com que levasse algum tempo até que me ambientasse a todas estas novas variáveis mas, com as pessoas do grupo sempre prontas a ajudar, foi fácil", explica. E porque o futebol é uma ciência universalmente motivadora, há constantemente torneios organizados entre os trabalhadores do CERN. Idas a concertos, caminhadas e outras atividades lúdicas também servem de ponte e motivação entre quem faz do CERN uma segunda casa. Diário de Aveiro |