CRISE: MAIS DÚVIDAS QUE CERTEZAS ENTRE ESPECIALISTAS DE AVEIRO

Economistas e politólogos ouvidos pelo Diário de Aveiro têm mais dúvidas do que certezas sobre a situação económica e política após conhecido o acórdão do Tribunal Constitucional (TC) de considerar inconstitucional a suspensão dos subsídios de Natal e de férias dos funcionários públicos e aposentados.
O economista Carlos Barros diz que o país está numa “encruzilhada” com soluções pouco claras para esta crise. Alargar os cortes aos privados terá “consequências imprevisíveis” e pode resultar em “descalabro” graças aos “reflexos” no consumo e no emprego. “A corda já esticou muito”, advertiu, notando que o Governo deve estudar “outras soluções” com efeitos “a médio e longo prazo”.
Sobre uma possível sobretaxa no IRS, avisou que “as famílias não têm mais por onde cortar”. Por outro lado, agravar a carga fiscal sobre as grandes empresas poderá ter efeitos perversos, sobretudo no caso das multinacionais, uma vez que a medida “pode afastar o investimento estrangeiro, que já quase não existe”.
“As alternativas são muito poucas”, admite, adiantando que o executivo de Passos Coelho “se calhar não tem outro remédio” senão tentar alargar o prazo para cumprir as metas orçamentais.
A recessão europeia piora o cenário em Portugal, acrescenta Carlos Barros, que apenas vislumbra uma “luzinha ao fundo do túnel” no caso de serem tomadas acções à escala da zona euro, o que “não está nas nossas mãos”. “A Europa deixou a situação chegar a um ponto demasiado negativo”, alertou.
A inconstitucionalidade da suspensão dos subsídios de Natal e de férias dos funcionários públicos e aposentados “não foi uma boa notícia”, uma vez que os trabalhadores do Estado, como ele próprio, “já tinham interiorizado” essas quebras nos seus rendimentos.
Outro economista, Henrique Diz, não foi apanhado de surpresa pelo acórdão do TC alegando a “discriminação” e a “desigualdade de tratamento” a funcionários públicos e pensionistas. Considera “espantoso”, porém, que os cortes do Governo mantenham a sua aplicação este ano.
O especialista prevê que o executivo irá actuar sobre as receitas aplicando um imposto extraordinário sobre os 13.o e 14.o meses de “todos os trabalhadores”. Esse é “o caminho mais fácil”, avalia, acrescentando que “o caminho certo” passaria por diminuir despesas em determinadas rubricas onde “ainda há margem” para poupanças. “Há espaço de manobra nas parcerias público-privadas, onde se pode ir buscar muito dinheiro”, exemplificou.

Governo
fragilizado?

A sentença do TC pode fragilizar o Governo?, pergunta o Diário de Aveiro ao politólogo Carlos Jalali. “Sim e não”, responde. Por um lado, os cortes nos subsídios eram “uma das medidas centrais” da coligação PSD/CDS e o facto de ser declarada inconstitucional representa um revés para o Governo. O acórdão “torna também mais difícil o exercício do controlo das contas públicas”, que é “a mensagem central” da tutela.
Por outro lado, sustenta o professor da Universidade de Aveiro, o acórdão do TC “pode não ser tão negativo” porque dá ao Governo o pretexto para avançar com novas medidas de austeridade, havendo “sinais” de que a equipa de Passos Coelho já as pretendia adoptar. “A decisão do TC retira o ónus da responsabilidade ao Governo”, afirmou.
O ilhavense Bagão Félix, ex-ministro das Finanças, afirmou que a decisão do TS pode permitir uma distribuição mais equitativa dos sacrifícios. “No dia em que o primeiro-ministro anunciou esta medida eu defendi que, preferível à medida de supressão dos subsídios de Natal e de férias, era uma imposição não só sobre todos os rendimentos do trabalho, como sobre todas as naturezas de rendimentos sujeitos a impostos”, vincou.
“Provavelmente, em 2013 o que vai acontecer é uma reedição do imposto extraordinário que houve em 2011, certamente estudado com mais tempo e mais cuidado, alargado a todos os rendimentos”, disse.
“Isto significa que os 1.800 a 2.000 milhões de euros que o Estado iria poupar com a supressão do subsídio de Natal e de férias dos funcionários públicos conseguirá atingir tributando todos os rendimentos e todos os trabalhadores”, acrescentou.
“A questão é saber se esse imposto vai incidir só sobre os rendimentos do trabalho ou se vai também incidir, como defendo, sobre todos os rendimentos sujeitos a imposto - capitais, prediais, mais-valias…”, concluiu.


Diário de Aveiro


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