O que o levou a empreender esta jornada a pé pelo país?
Há muito tempo que pretendia fazer uma viagem que me levasse a reencontrar os portugueses do interior. Essa viagem tornou-se possível depois de deixar o jornal Público ao fim de 17 anos. Procurei andar devagar, pelos locais mais remotos e conversar com as pessoas, fotografar, entrevistar…
O que mudou com esta viagem na sua forma de olhar para Portugal?
Acabei com uma imagem aperfeiçoada do que é o país, da sua diversidade, dos contrastes, do esvaziamento dramático do interior, da luta que as populações travam para resistir em lugares onde fecharam as escolas, fecham os centros de saúde e deixa de haver condições para manter uma vida digna.
O que perspectiva para o interior do país nos próximos anos? As zonas mais remotas, mais despovoadas, estão destinadas a quê?
Existem áreas do país que correm o risco de não ter lá praticamente ninguém daqui a 15 anos. Atravessar certas zonas no Inverno, como foi o caso do distrito de Bragança, chegou a ser doloroso. Infelizmente, passa-se o mesmo no interior do distrito de Viseu, na zona do Pinhal Interior e em porções do Alentejo e Algarve. Com a morte da agricultura, estão provavelmente destinadas a um turismo residual, a transformar-se em áreas para descanso ao fim-de-semana e nas férias das pessoas das cidades do litoral. A rede das aldeias de xisto, no centro, é um exemplo.
Acha que a generalidade dos portugueses conhece bem o seu país?
Penso que existe uma grande vontade de muitos portugueses em conhecer melhor o seu país e existe um grande amor pela natureza, pela cultura popular, pela gastronomia... A actual crise estimulou também esta onda de regresso às origens. Infelizmente, a maioria destes portugueses que se apaixona ao fim-de-semana ou nas férias por lugares como a Serra da Freita ou a Serra de São Macário não tem condições para lá ficar a viver. Se a generalidade dos portugueses não conhece melhor o seu país deve-se à intensa promoção dos mesmos lugares de sempre: o Algarve turístico, a Madeira, etc.
Sentia-se capaz de viver numa das aldeias remotas por onde passou?
Era capaz de o fazer durante uma temporada. Tenho consciência de que nas condições actuais é muito difícil a alguém manter-se por muito tempo em aldeias que perderam o padre, depois perdem a escola, depois a junta de freguesia e cujos últimos aldeões dependem da vila mais próxima para quase tudo. A comunidade vai-se desagregando e torna-se muito difícil sobreviver ali.
Diz que Portugal é "mal gerido mas definitivamente muito bonito". Tem má impressão dos poderes, aos vários níveis, que têm dirigido o país, os municípios, as freguesias?
Existem autarquias que têm feito um trabalho notável, sobretudo depois de perceberem que foram abandonadas pelo poder central ou que têm de contar apenas com o seu trabalho e não ficar à espera do Estado. Cito o exemplo de Montalegre e de Mértola. O poder central não tem uma ideia concreta para o país, navega em função da economia e dos poderes económicos, centralizado em Lisboa e no Porto.
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