O Ministério Público (MP) de Aveiro pretende a instauração de um processo-crime contra Mário Lino pelo facto de o ex-ministro ter alegadamente prestado falso testemunho no processo Face Oculta, que ontem prosseguiu. A falsidade de testemunho é um crime punível com prisão até cinco anos.
O procurador Marques Vidal requereu, na sessão de ontem, que fosse extraída uma certidão para o efeito. Raul Cordeiro, que preside ao colectivo de juízes que dirige o julgamento, remeteu uma decisão para mais tarde.
Ao requerer a extracção de certidão, o representante do Ministério Público invocou divergências naquilo que o ex-ministro disse, ao longo das diversas fases do processo, sobre o teor da conversa que manteve, no seu gabinete, com o sucateiro Manuel Godinho.
Antes de o MP avançar com este requerimento, o antigo titular da pasta das Obras Públicas, que ontem voltou a Aveiro, ouviu a parte final da gravação sobre o que dissera a respeito do processo Face Oculta no Tribunal Central de Instrução Criminal.
As alegadas discrepâncias de depoimentos assinaladas pelo procurador de Aveiro reportam-se aos contactos de Mário Lino com o presidente da Refer, Luís Pardal, sobre Manuel Godinho, principal arguido do Face Oculta, e com o próprio sucateiro de Ovar.
Na última quinta-feira, Mário Lino confirmou em tribunal que recebeu Manuel Godinho mas, ao contrário do referido em instrução, nada disse sobre supostas alusões do empresário de Ovar a um acórdão do Tribunal da Relação do Porto favorável às suas empresas e que se relacionava com o processo Carril Dourado, sobre o furto de carris na Linha do Tua.
Ontem, deu por assente que a conversa com Manuel Godinho, no seu gabinete, assentou em queixas genéricas do empresário sobre alegadas perseguições da Refer. Acrescentou que terá havido referência a conflitos judiciais opondo as partes, mas sem uma alusão concreta, explícita ou implícita, ao Carril Dourado.
Convidado a fixar se falou duas ou três vezes com o presidente da Refer, para que este recebesse o sucateiro, o ex-ministro disse não se lembrar de uma terceira conversa, mas admitiu-a. “Poderão ter ocorrido três conversas com o engenheiro Pardal sobre este assunto. Mas não me lembro”, afirmou.
Queixa contra
Vitorino
Em contraste com este tom cauteloso, Mário Lino foi peremptório, nesta sua inquirição, a reiterar que nunca recebeu pressões do ex-ministro e ex-administrador bancário Armando Vara, bem como do consultor Lopes Barreira, a favor do sucateiro de Ovar.
O ex-ministro recordou, por outro lado, que avançou com uma queixa-crime contra Ana Paula Vitorino, que foi sua secretária de Estado, por alegadas afirmações caluniosas em fases anteriores deste processo.
Durante a fase de instrução, a ex-secretária de Estado dos Transportes disse ter sido abordado pelo então ministro para resolver o conflito existente entre a Refer e o grupo de Manuel Godinho, alegando que as empresas do sucateiro eram “amigas do PS”.
Ontem, Mário Lino escusou-se a falar aos jornalistas, antes e depois de entrar na sala de audiências, mesmo quando questionado sobre outras matérias, como o facto de ser um dos citados numa queixa do Automóvel Clube de Portugal contra antigos governantes socialistas por suposta gestão danosa na negociação dos contratos das SCUT.
Ainda ontem, o tribunal começou a ouvir, a requerimento da defesa de Armando Vara, um ex-assessor do Ministério das Obras Públicas, Pedro Abreu.
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