Apesar de ser ainda muito jovem, Carlos Miguéis já viveu em três países. Saiu de Bustos (Oliveira do Bairro) em 1978, tinha apenas cinco anos, com destino à Venezuela. A irmã já nasceu com sotaque latino-americano.
Entretanto, regressou a Portugal. Mas voltaria a partir, faz este mês quatro anos, rumo ao Canadá. Acompanhado da esposa, levava na mala o sonho de pagar um apartamento e melhorar a situação económica.
Cá, ainda tentou continuar os estudos. “Estudei até ao 9.º ano na Venezuela, e quando regressei, em 1989, ainda quis continuar a estudar no IPSB [Bustos], mas reprovei o ano, devido a dificuldades de adaptação à língua”, recorda a JB.
Arriscou no mundo do trabalho. Começou por trabalhar como vendedor de produtos alimentares para lojas. Depois, tirou um curso de vigilante e aplicou-o durante cinco anos numa grande superfície, em Aveiro, e mais tarde numa fábrica, na Zona Industrial (ZI) de Oiã. Ainda esteve como forneiro, durante quatro anos, numa empresa na ZI de Bustos. Até partir para o Canadá. “Aqui trabalho numa empresa de Landscaping, em que fazemos reparações em jardins e em entradas em cimento nas casas do governo [habitações sociais] para as pessoas com dificuldades económicas.” Nesta empresa, trabalham outros portugueses e latinos.
Carlos Miguéis garante que não teve dificuldades em adaptar-se a este país da América do Norte. “Aqui em Toronto moro numa zona onde há muitos portugueses, alguns dos quais me ajudaram na integração, quer a nível de emprego, quer dos costumes daqui.”
Na rua onde mora, há mais de 30 casas. Todos os moradores são portugueses “e bons vizinhos, de diferentes partes do país, Açores incluídos. Tenho um vizinho de Vilarinho do Bairro [Anadia] e também conheço muitas pessoas das Gafanhas [Ílhavo], de Anadia, da Mamarrosa, da Palhaça…”
As origens na Bairrada dividem-se entre Bustos e a vizinha freguesia da Mamarrosa. Esteve mais de três anos sem vir a Portugal, mas no ano passado veio duas vezes, uma delas por seis semanas, no Natal. “Claro que sinto saudades da Bairrada, dos nossos costumes, da nossa gastronomia, da nossa gente, das belas paisagens…”
No Canadá, (quase) tudo é diferente. “É um país com uma grande organização a todos os níveis, principalmente no que respeita ao sistema de saúde, que é dos melhores do mundo. Estando legais no país, podemos ir a uma consulta numa clínica privada sem pagar, fazer exames sem custo – basta apresentar o cartão de saúde e o governo paga. Claro que temos descontos [para o Estado] altissímos, mas temos serviços de primeira qualidade, e isso já não acontece em Portugal, mesmo descontando.” Enaltece ainda a organização judicial, o respeito pelas autoridades, o cumprimento a nível de trânsito e a segurança na rua, que, diz, “é fantástica”. “Portugal ainda tem muito por onde crescer a todos esses níveis, principalmente cultural e humano – aqui respeita-se qualquer pessoa, seja de que raça ou orientação sexual for.”
Com 38 anos, divorciado e sem filhos, Carlos Miguéis gostava um dia de voltar a Portugal, mas só quando tiver a vida estabilizada e tenha descontado o tempo suficiente para ter direito à reforma do Canadá.
Reconhece que Portugal precisa urgentemente de criar oportunidades de emprego, para não ver sair a maioria dos empregados qualificados. Aconselha quem não tem emprego e está realmente a passar por dificuldades, a emigrar. Mas só neste caso, porque também é preciso que as pessoas se mantenham no país, para alavancar o crescimento da economia. Não obstante, também sabe que, hoje em dia, as oportunidades de ter uma vida melhor estão fora de Portugal, “mas é preciso escolher muito bem o destino”.
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