A escritora bairradina, de Malhapão, Aida Viegas, lançou, há poucas semanas, um romance que é um grito, feito do eco de muitas outras revoltas, umas claras e outras tecidas de medos e silêncios.
Trata-se de um livro temático, actual, bem elaborado, é forçoso dizê-lo. A capa (sugestiva) e o título (denunciador de logo adivinhadas violências domésticas) não enganam, antes espicaçam o leitor.
Todo o contexto origina este grito de revolta da personagem maior, mas igualmente os gritos que estão escondidos por detrás de todas as palavras, situações e enredo do livro, que tem exactamente o título de “Laura um grito no silêncio”. Este é o silêncio de muitas Lauras, nome ficcionado tanto quanto os outros, mas que representam todas as que não têm nome.
A maneira como está escrito, de uma forma leve e corrida, sem que isso signifique não tocar na carne dos problemas domésticos, fica-nos a sensação de que a autora conhece bem a história que conta, capítulo atrás de capítulo, como quem vai escrevendo um simples, mas agitado diário, valendo-se muito do mundo que a rodeia e das notícias que lhe chegam aos ouvidos.
Aida Viegas aborda um problema candente da sociedade de hoje, em que as mulheres continuam a sofrer a violência dos maridos que ainda julgam que o casamento permite fazer delas escravas (até sexuais), senhores de todas as permissões e escapadelas e apesar disso a exigirem disponibilidade, sorriso, ternuras, da outra parte, num fechar de olhos a situações e fugas aos compromissos, um dia assumidos.
Aida Viegas faz desenrolar a acção por terras que bem conhece: Oiã e Fermentelos (terras naturais de Laura e Jorge), Coimbra (palco de estudos e amores – é aqui que tudo começa), Costa Nova, que a autora adora e onde Laura e Jorge passavam férias, tal como a escritora), Curia (onde Laura e Jorge passam a noite de núpcias), mas poderia só mudar-lhe os nomes, que a história seria exactamente a mesma. Não as caracteriza suficientemente bem, no entendimento de que enredos destes são de todos os dias, terras, mundos. Não será arriscado dizer que “Laura um grito no silêncio” tem muito de autobiográfico, especialmente nas vivências de estudante coimbrã, menina de colégio, professora primária e férias da Costa Nova, mas a história está muito para além dessas circunstâncias. Segundo Aida Viegas, o livro “é uma recolha de retalhos de vida, peças dispersas dum puzzle que tentei reconstruir, junção de várias realidades, muito aquém da realidade”.
Trata, na verdade, de um problema que a aflige e um mundo de gente e, se alguém tiver dúvidas, leia na última página uma série de notícias de violência contra a mulher. História actual, cheia de conteúdo, que decorre em tempos antes e depois do 25 de Abril, bem limitados e caracterizados, contada com suavidade e lucidez, sem dizer tudo o que implícito está, tudo começa bem no amor, talvez mais paixão desequilibrada e pouco respeitadora da parte de Jorge e tudo vai acaba mal, com dois filhos pelo meio, com acidente (Laura) e depressão (Jorge) que tombaram os que aparentemente estavam destinados a uma felicidade duradoura, embora o aborto do filho gerado em tempo de Coimbra e a progressiva indiferença por parte de Jorge, demasiado egoísta, pouco depois do casamento, começassem a desenhar problemático desenlace.
Romance denúncia, a autora desejaria que “este grito ecoasse pelo mundo além”. Disse-o no dia da apresentação. Merece-o. Até pelo grito que ela própria lança do alto das palavras sem redundâncias.
Armor Pires Mota
Diário de Aveiro |