Os problemas e as dificuldades, hoje verificadas a todos os níveis, pedem uma especial atenção aos responsáveis, em cada campo e situação, para que aproveitem as oportunidades que então surgem. A partir delas se responderá melhor. Os problemas que aguardam resposta estão na sociedade, na família, na escola, na vida empresarial e, também, na comunidade cristã, em todo o lado onde há vida. É sobre as comunidades, de que agora tanto se fala, ao repensar para renovar a acção da Igreja, que oriento a minha reflexão, na esperança de que se atenda mais e melhor às oportunidades que, não raro, são pouco atendidas e mal aproveitadas. O dever de servir e a criatividade pastoral exigem esta atenção. Nas comunidades e na Igreja em geral há mais gente repetitiva que inovadora. Ora, as tradições religiosas vão perdendo força, o passado deixou de ser dinâmico e de apego generalizado, as respostas repetidas e pouco reflectidas são normalmente estéreis. Deste modo, o ângulo estreito de percepção da realidade empurra para as desilusões e dificulta um empenhamento persistente, sério e que envolva as pessoas. Dá-se, hoje, uma quebra notória na prática dominical e na procura do Baptismo e do Matrimónio; persiste o abandono de muitos jovens, após a Confirmação; não se pode ignorar a escalada das uniões de facto, do crescente número de divórcios, das famílias desestruturadas e com valores alterados; há poucos cristãos esclarecidos na vida social e política; a alergia de muitos à vida associativa é manifesta; os mais jovens, e não só eles, fogem a opções que implicam compromissos permanentes. Ao mesmo tempo, as paróquias com gente apresentam uma nova fisionomia: para além do costumeiro, que persiste ainda em muitos casos, há muitos pais não praticantes que querem os filhos na catequese e acabam por pedir o seu baptismo na idade escolar, se o não fizeram antes; há jovens, e são milhares, que frequentam livremente a catequese dez e mais anos, em ordem ao Crisma, e, se muitos deles depois partem, também ficam sempre alguns, mais comprometidos e activos; tornou-se normal a prática de reuniões de preparação para o casamento, mas não se consegue travar a saída de muitos para um divórcio fácil; alguns casais, ao lado de outros indiferentes, formam grupos e equipas que reúnem mensalmente para, em comum, esclarecerem e partilharem a sua fé, aprofundarem a riqueza da vida conjugal e familiar e se empenharem em acções apostólicas; há operários e empresários, não muitos, é certo, que procuram orientar a sua vida e acção pela Doutrina Social da Igreja e por força de um cristianismo esclarecido; depara-se-nos um número crescente de leigos voluntários nas actividades da paróquia e da comunidade civil, mas outros só pensam em si e no que lhes dá prazer. Tudo isto, em comunidades com gente, porque já as há quase desertificadas, traduz problemas, mas também um mundo novo de oportunidades para uma acção nova e realista. Sublinha-se hoje, mais do que antes, quando as pessoas se conheciam, a importância de um acolhimento cordial e aberto a todos, que crie laços e não feche portas, feito por gente preparada para escutar e dialogar, mais do que para afirmar normas secas e fechar caminhos abertos. Sem se acolher bem, não haverá nem tempo, nem clima para escutar as razões de quem vem e procura. Quem acolhe, seja clérigo ou leigo, numa paróquia onde surgem cada dia caras novas, é chamado a mostrar o rosto de um Deus que é Pai, de uma Igreja aberta e serva, que sabe respeitar as pessoas, ser educadora da fé, promotora da comunhão e porta e espaço de uma inequívoca fraternidade. É no acolhimento que melhor se ilustra a missão da Igreja, num tempo e num lugar. Numa comunidade cristã há que acolher sempre bem quem aí vive, quem passa ocasionalmente, quem nela procura alguma coisa. Uma comunidade adulta, responsável e aberta, esconjura o clericalismo e as ideias deturpadas da Igreja e da fé, que enchem ainda a cabeça de muita gente. É agora a oportunidade de um catecumenato a sério ou de uma catequese de pedagogia catecumenal para os adultos que pedem os sacramentos da iniciação; de uma iniciação cristã, a realizar na família e na catequese paroquial; da formação de cristãos adultos para que vivam e testemunhem a fé, num mundo plural e laico. Nada disto se faz com acções de rotina ou com objectivos de mera conservação. As oportunidades para ir mais longe estão nestes casos à vista: pelos filhos se vai aos pais; pela Confirmação, se formam e motivam jovens a ir mais longe; pelo pedido do Matrimónio, hoje que as razões sociológicas pesam menos, se podem propor acções de formação com mais tempo e pedagogia mais activa; pelas experiências negativas e dolorosas que afectam muitas famílias, se faz apelo a formas de presença mais respeitadoras e fraternas; pela acção nos meios urbanos, onde há colmeias cerradas que favorecem o individualismo, a massificação, o esquecimento de quem delas não pode sair, se devem fazer propostas que personalizem e vençam a solidão, o isolamento, o desgaste diário, a desagregação familiar. As comunidades para serem evangelizadoras e missionárias têm hoje de ser mais criativas ante as novas situações sociais, culturais e religiosas O dever de servir pede inovação e abandono de velhos critérios e esquemas de uma ruralidade que já não existe. Os mais aptos não se podem gastar no serviço do templo, mas têm de ser estimulados a ser apóstolos fora de portas. Repensar a acção pastoral e planeá-la, com realismo e esperança, é procurar que cada cristão e cada comunidade entrem num dinamismo de missão, onde todas as pessoas são caminho da Igreja, e todas as oportunidades, graças a aproveitar. Os de fora só serão tocados pela riqueza de dentro, quando virem os permanentes do templo, empurrados para fora dele, a testemunhar o que vivem e a construir o que propõem.
Diário de Aveiro |